domingo, 26 de setembro de 2010

Discurso esclarecedor de um bispo sobre o Episcopado e as Conferências Episcopais


Bento XVI falando aos bispos dos EUA


Este artigo baseou-se no discurso feito por Dom Robert Francis Vasa, Bispo de Baker, EUA, no 2010 Inside Catholic Partnership Award Dinner e foi publicado no Inside Catholic  de 20 de setembro.


Todos estamos familiarizados com a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCBC), e eu suspeito que a maioria de nós a aceita como um dado da realidade. Suspeito ainda que muitos nunca consideraram realmente os quem, quês e porquês de tais conferências na Igreja. Isto não significa que a Igreja não tenha dado séria atenção à questão. O conceito não era novo para a Igreja em 1965, quando o Concílio Vaticano publicou o Decreto sobre o ofício pastoral dos bispos na Igreja, Christus Dominus. Lá se encontra, no parágrafo 38, o conceito bem definido:

"Conferência episcopal é uma espécie de assembleia em que os Bispos duma nação ou território exercem juntos o seu múnus pastoral, para conseguirem, por formas e métodos de apostolado conformes às circunstâncias do tempo, aquele bem maior que a Igreja oferece aos homens." (CD 38).

Não restam dúvidas de que o exercício unificado de um ofício pastoral é prático e desejável. Há certas coisas, em nosso país, por exemplo, que somente se tornam possíveis porque os bispos se uniram num esforço comum. O trabalho de revisão das traduções da Instrução Geral do Missal Romano não poderia ser feita independentemente por cada bispo. Isto seria caótico. Os esforços de ajuda da "Catholic Relief Service" às vítimas do furacão no Haiti estão além da capacidade de cada bispo ou diocese individualmente. Analisar, avaliar e fazer recomendações sobre a reforma do sistema de saúde na América exige recursos de que simplesmente não dispões muitas dioceses - entre as quais, a minha certamente. Parece-me que uma conferência, de certa forma, seja essencial.

Houve um tempo, no passado recente, em que a conferência, e especialmente seus comitês, eram como se tivessem vida própria, aparentemente independentes do colégio dos bispos; mas a reforma de suas estruturas mitigou isto significativamente. É possível que tenha havido um esforço concentrado da parte de um segmento dos bispos, no passado, a fim de promover um grau maior de autonomia em relação à conferência, mas qualquer comentário meu seria inteiramente especulativo. Em geral, penso que a conferência faz um bom trabalho na identificação de questões, realização de pesquisas e, até mesmo, de influência nos debates nacionais.

Ao fazer isto, entretanto, torna-se às vezes inevitável à conferência assumir estritos padrões de autonomia e, até mesmo, ser percebida como se possuísse um tipo de autoridade que nem reclama para si nem possui. Facilmente se esquece que a conferência é um veículo para assistir os bispos na cooperação mútua e não uma comissão reguladora distinta. Indubitavelmente, a conferência tem um lugar a ocupar e um papel importante a desenvolver. Em geral, acho que a existência da conferência me oferece, como bispo, uma via de interação com meus irmãos bispos, para compartilhar ideias e para participar de discussões nacionais de uma maneira que seria impossível, em grande parte, sem a conferência.

É motivo de preocupação a tendência de a conferência assumir uma vida própria e de começar a substituir ou tomar a função própria de cada bispo, inclusive em sua própria diocese. Pode haver inclusive uma infeliz tendência da parte dos bispos a abdicar em favor da conferência de uma porção de suas funções e deveres episcopais. Por exemplo, há uma Comissão Doutrinal disponível para que os bispos apresentem questões e problemas e obtenham uma avaliação doutrinal. A disponibilidade de tal comissão é um valioso serviço, mas se um bispo simplesmente apresenta toda questão em sua diocese à Comissão Doutrinal e, então, transmite aseus fiéis que a Comissão Doutrinal da USCCB decidiu X, Y ou Z, ele deixa de assumir uma responsabilidade que é unicamente sua. Seria mais apropriado que ele consultasse esta Comissão e então dissesse: "Após consultar a Comissão Doutrinal, eu decidi X, Y ou Z para minha diocese". Uma tal resposta preserva a função própria tanto do bispo quanto da conferência. É, todavia, mais fácil e seguro transferir a responsabilidade para a Comissão.

A despeito do fato de que a ideia de uma conferência episcopal esteja incluída na última parte do Decreto Christus Dominus, esta não é de modo algum o foco principal do documento. Aliás, seu título é "Sobre o Múnus Pastoral dos Bispos na Igreja", e não "Sobre a Função e o Lugar das Conferências Episcopais na Igreja". Na realidade, Christus Dominus foi mais revolucionário por causa de sua grande insistência sobre o alcance da autoridade do bispo diocesano. Mais de 30 anos depois de Christus Dominus, o Papa João Paulo II, em maio de 1998, expediu uma Carta Apostólica, Apostolos Suos, acerca da natureza teológica e jurídica das Conferências dos Bispos. Eu ouso supor que o fez, em parte, por causa da preocupação de que as conferências estivessem ultrapassando os limites de sua legítima autoridade e infringindo a legítima autoridade dos bispos, como ensinada no Christus Dominus. Nela, citando o Sínodo dos Bispos de 1985, escreveu o Santo Padre:

"A Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada em 1985, reconheceu a utilidade pastoral, antes a necessidade das Conferências Episcopais na situação atual, mas simultaneamente não deixou de observar que, no seu modo de proceder, as Conferências Episcopais devem ter presente o bem da Igreja, a saber, o serviço da unidade, e a responsabilidade inalienável de cada Bispo para com a Igreja Universal e a sua Igreja particular." (Apostolos Suos, 7)

O Cardeal Ratzinger (atual Papa Bento XVI) no "A fé em crise?", sobre o estado da Igreja, foi um pouco mais direto.

"A decisiva e nova ênfase sobre o papel dos bispos é na realidade contida ou corre o risco de ser reprimida pela inserção dos bispos em conferências episcopais que são sempre mais organizadas com estruturas burocráticas frequentemente pesadas. Não devemos nos esquecer de que as conferências episcopais não possuem base teológica, de que elas não pertencem à estrutura da Igreja, tal como Cristo a desejou, e que não pode ser eliminada; elas possuem apenas uma função prática, concreta. (The Ratzinger Report, 59-61)

Isto é confirmado pelo Código de Direito Canônico, que delimita a extensão da autoridade da conferência, observando que a competência de cada bispo diocesano permanece intacta; nem uma conferência nem seu presidente pode agir em nome de todos os bispos a menos que cada um e todos os bispos tenham dado seu consentimento (cân 455 §4). Fica claro que a conferência não pode, por sua própria autoridade, substituir as pessoas dos bispos, os quais são, conforme o cânon 753, "autênticos doutores e mestres dos fiéis confiados a seus cuidados; os fiéis estão obrigados a aderir, com religioso obséquio de espírito, a esse autêntico magistério de seus bispos". Em sua entrevista, o Cardeal Ratzinger confirmou: "Nenhuma conferência episcopal, como tal, tem uma missão magisterial: seus documentos não têm força por si mesmos exceto aquela que lhes dá o consentimento dos bispos individualmente". Até onde sei, o cardeal não mudou de ideia depois de sua eleição pontifícia.

A Carta Apostólica de João Paulo II contém o mesmo pensamento:

"Por certo, os Bispos individualmente, enquanto mestres da fé, não se dirigem à comunidade universal dos fiéis senão através dum ato de todo o Colégio Episcopal. De fato, apenas os fiéis confiados ao cuidado pastoral dum Bispo é que devem conformar-se com a decisão dada por ele, em nome de Cristo, em matéria de fé ou costumes, aderindo à mesma com religioso obséquio de espírito." (Apostolos Suos, 11)

O reconhecimento da proeminente função dos bispos individualmente não é uma criação do Concílio Vaticano II. Em sua segunda carta a Timóteo, que era bispo, São Paulo escreve:

"Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir." (II Tim 4, 1-2).

Esta admoestação é feita aos bispos singularmente e, como destaca o cardeal, não é extensiva às conferências episcopais. O Cardeal Ratzinger insiste que a clareza sobre a função específica do bispo é decisiva:

"Porque é uma questão de salvaguarda da própria natureza da Igreja Católica, que é baseada em uma estrutura episcopal e não em um tipo de federação de igrejas nacionais. O nível nacional não é uma dimensão eclesial. É preciso que fique claro, uma vez mais, que em cada diocese há apenas um pastor e mestre na fé, em comunhão com outros pastores e mestres e com o Vigário de Cristo. (The Ratzinger Report, 59-61)

Se vocês se recordam, faz algum tempo, um bispo local deu sua própria interpretação de "Forming Consciences for Faithful Citizenship", dizendo aos fiéis confiados a seu cuidado que a conferência não falava por ele. Isto está inteiramente conforme ao que o Cardeal escreveu. Os bispos individualmente são livres para adotar tais declarações e reafirmá-las em seu próprio nome para suas dioceses, mas nenhum bispo tem a obrigação de o fazer; e tais documentos não se tornam normativos para uma diocese em particular a menos que o bispo, explícita ou implicitamente, os recomende. Portanto, se o fiel insinua a um bispo que ele está agindo contrariamente a um documento pastoral publicado pela conferência, a legítima resposta do bispo seria que ele e as pessoas de sua diocese não estão vinculados às declarações da conferência a menos que ele assim determine.

Em relação a tais declarações da conferência, o Cardeal Ratzinger tem algo bastante profético para oferecer:

"Acontece que falte a alguns bispos certo senso de responsabilidade individual, e a delegação de seus poderes inalienáveis de pastor e mestre às estruturas da conferência local deixa cair no anonimato o que deveria ser muito pessoal. O grupo de bispos unidos em conferências dependem, em suas decisões, de outros grupos, de comissões constituídas para preparar anteprojetos. Acontece então que a busca de consenso entre diferentes tendências e o esforço de mediação produzem documentos esvaziados nos quais posições decisivas (onde elas poderiam ser necessárias) são enfraquecidas. (The Ratzinger Report, 59-61)


Sua Eminência cita, então, um exemplo bastante patético de sua própria terra natal. Ele recorda uma conferência episcopal realizada em seu país na década de 30:

"Bem, os documentos realmente relevantes contra o Nacional-socialismo foram aqueles que vieram de corajosos bispos individualmente. Os documentos da conferência, ao contrário, foram frequentemente lânguidos e fracos em relação ao que a tragédia requeria. (The Ratzinger Report, 59-61)

No caso mencionado acima, o bispo foi publicamente criticado pelo seus fiéis por não aceitar e adotar, não apenas um documento da conferência mas, talvez mais significativamente, suas próprias interpretações particulares daquele documento. Este não é o mesmo cenário previsto pelo Cardeal Ratzinger, mas vale certamente como um corolário seu. Existe uma compreensível confusão por parte dos fiéis, os quais - bem ou mal intencionados - leem ou interpretam uma coisa num documento da conferência e ouvem algo diferente se seu próprio bispo.

O futuro Santo Padre levanta outra questão, que é certamente um perigo real em se tratando de documentos produzidos por uma comissão. Ele destaca que a busca de consenso pode resultar num documento esvaziados - ou, como certo bispo se expressou - documentos que chegaram ao mínimo denominador comum. Assim, quando bispos individualmente - e os há mais que uns poucos - fazem declarações pessoais sobre certas situações, tais declarações são frequentemente mais fortes, audazes, decisivas e, portanto, mais sujeitas a serem criticadas como duras e insensíveis. Temo que tenha havido uma tal dieta contínua de tais documentos esvaziados de forma que qualquer coisa que os bispos individualmente publiquem que contenha alguns elementos fortes seja rápida e rotundamente condenados ou simplesmente desconsiderados como se estivessem em descompasso com a conferência ou em conflito com o que outros bispos fariam.

Para ser justo com a conferência, devo dizer que nunca vi ou ouvi da conferência, seja como um todo ou em uma comissão, fazer quaisquer observações críticas a respeito daquilo que os bispos individualmente teriam feito ou deixado de fazer em suas próprias dioceses. Acho que a conferência compreende plenamente os limites de sua jurisdição; eu não poderia dizer o mesmo acerca dos fiéis em geral. É bastante provável que os fiéis, e talvez nosso governo nacional, veja na conferência um tipo de magistério intermediário ao qual cada bispo deve obediência e respeito, e que tem sempre poder de falar pelos bispos. O que não é, de fato, o caso. Na verdade, o contrário é que foi firmemente confirmado pela Apostolos Suos. Embora reconhecendo as finalidades legítimas das conferências episcopais, o Papa João Paulo II escreveu:

"Tais finalidades exigem que se evite a burocratização dos ofícios e comissões ativas no período entre as reuniões plenárias. Importa ter em conta o fato essencial de as Conferências Episcopais, com as suas comissões e ofícios, existirem para ajudar os Bispos, e não para ocupar o lugar deles." (Apostolos Suos, 18)

No mesmo documento, encontramos outras informações do valor das conferências episcopais, mas há frequentemente uma palavra correspondente de precaução:

"A sua importância resulta do fato de contribuírem eficazmente para a unidade entre os Bispos e, consequentemente, para a unidade da Igreja, sendo um instrumento muito válido para robustecer a comunhão eclesial. Todavia a evolução da sua atividade, sempre mais vasta, suscitou alguns problemas de natureza teológica e pastoral, sobretudo no que diz respeito à sua relação com cada um dos Bispos diocesanos." (Apostolos Suos, 6)

A conferência tem sido bastante clara a respeito do fato de que prepara documentos pastorais e de que não tem autoridade, por si mesma, para publicar editos ou legislação vinculante. Uma vez que estes documentos pastorais carecem de força legislativa, eles são frequentemente estribados numa linguagem que poderíamos descrever como mais leve e menos rigorosa. O que é apropriado, já que eles pretendem ser pastorais e não legislativos. Basta um olhar para a diferença entre os documentos do Vaticano II e o Código de Direito Canônico. Um é pastoral, enquanto o outro traduz o propósito do documento pastoral em legislação concreta. A legislação depende do bispo local. O bispo diocesano tem ampla discrição em termos de ações legislativas e disciplinárias em sua própria diocese.

São Paulo aconselha Timóteo sobre os meios possíveis de lidar com o erro, destacando a necessidade de "repreender, ameaçar, exortar - ensinando constantemente, e sem perder a paciência". O tom necessário de documentos pastorais tendem mais à exortação que à repreensão ou ameaça. A instrução de Paulo a Timóteo é certamente pertinente:

"Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério." (II Tim 4, 3-5)

Documentos pastorais, reconhecendo que as pessoas perderam a tolerância com a sã doutrina, tendem a apelar sem serem necessariamente muito diretos ou críticos. O objetivo óbvio é oferecer convites gentis à conversão de modo que possa atrair aqueles que preferem mensagens agradáveis aos ouvidos. Infelizmente, dado que de natureza pastoral, tais documentos estão abertos a um amplo leque de interpretações, boas e más. Há margem para a acusação de que tais documentos são intencionalmente vagos e enganosos; e embora eu tenha tido, em certa ocasião, uma suspeita disto, seria uma falta de caridade de minha parte especular que este seja realmente o caso. Eu diria que a imprecisão, seja ou não intencional, tem sido ocasionalmente causa de preocupação e, até mesmo, de consternação.

Infelizmente, uma vez que a sã doutrina é frequentemente rejeitada de antemão, os mestres que advogam uma mensagem popular, agradável aos ouvidos, são mais admirados e calorosamente recebidos e aceitos por nossa época secularizada. Isto contribui para um esvaziamento ainda maior da mensagem. São Gregório Magno adverte que a incapacidade de ser ousado no discurso pode ser causado por um medo de reprovação. Este é um perigo muito real em nossos tempos atuais. Bem pode ser que uma dependência de documentos pastorais contenha um medo duplo: medo de reprovar os outros e medo de ser reprovado por tê-lo feito. Tristemente se esquece que tal enfoque pode tranquilizar o malfeitor com uma vaga promessa de segurança. Há um silêncio prudente, mas há também um silêncio imprudente. Há um discurso indiscreto, mas há igualmente um discurso ousado e discreto.

Facilmente bispos e padres agem com a noção equivocada de que se pregarmos o evangelho na sua plenitude seremos calorosamente saudados, acolhidos, admirados e aclamados. Não foi o caso de Timóteo, Paulo ou o do Senhor. Os Bispos não deveriam supor que seria assim conosco. Posso assegurar-lhes que fatos como este são a exceção para bispos como eu. A mensagem do evangelho, com seu chamamento à conversão, não é necessariamente fácil. O secularismo da época em que vivemos torna tudo ainda mais desafiador pregar a mensagem do evangelho em sua plenitude e colocá-lo em prática em nossas vidas.

Algumas doutrinas da Igreja são certamente contraculturais e Paulo predisse que elas não seriam toleradas e que seriam rejeitadas. Não é novidade para vocês que somos muito influenciados por atitudes culturais não necessariamente informadas pelo evangelho. Para os de mente mais secularizada, as doutrinas da Igreja podem parecer ultrapassadas, rigorosas, condenatórias ou insensíveis. Como resultado, algumas doutrinas da Igreja foram abandonadas por aquilo que poderia ser chamado, caridosamente, um tipo de negligência pastoral benigna. Para muitos, em nosso mundo politicamente correto, isto é identificado com compaixão. Na verdade, isto frequentemente acarreta uma cumplicidade ou um compromisso com o mal. As doutrinas mais duras e menos populares são, em grande parte, deixadas no esquecimento, dando assim implicitamente aprovação tácita a opiniões teológicas errôneas e enganosas. São Gregório, em sua Regra Pastoral, escreve sobre esta prática pastoral:

"Uma orientação pastoral seria silenciar quando a discrição é exigida e falar quando as palavras prestarão um serviço. De outra forma, ele poderia dizer o que não deveria ou silenciar quando deveria falar. Um discurso indiscreto pode conduzir os homens ao erro e um silêncio imprudente poderia deixar no erro quem poderia ter sido instruído. Pastores a quem falta visão hesitam em dizer abertamente o que é direito porque temem perder o favor dos homens. Como nos diz a voz da verdade, tais líderes não são pastores zelosos que protegem seus rebanhos, mas sim mercenários que se refugiam no silêncio quando o lobo aparece. O Senhor os reprova através do profeta: 'Eles são como cachorros mudos que não podem latir'. Em outra ocasião ele reclama: 'Vós não vos lançais contra o inimigo nem construís um muro de defesa para a casa de Israel, de modo a permanecerdes firmes na batalha no dia do Senhor'. Avançar contra o inimigo envolve resistência firme aos poderes do mundo em defesa do rebanho. Permanecer firme na batalha no dia do Senhor significa opor-se ao inimigo malvado por amor ao que é correto. Quando um pastor tem medo de afirmar o que é certo, permanecendo em silêncio, não terá ele virado as costas e fugido? Por outro lado, se ele intervém em defesa do rebanho, ele constrói um muro contra o inimigo em frente da casa de Israel."

Os bispos individualmente, em suas próprias dioceses, tem a responsabilidade pastoral primária de discernir entre discurso indiscreto e silêncio imprudente. Isto não envolve um julgamento particular e, quanto a isto, há grande diversidade e mesmo disparidade entre um bispo e outro. Praticamente não há disparidade entre os bispos acerca da pecaminosidade do aborto, da contracepção artificial, dos atos homossexuais, das pesquisas com células-tronco embrionárias, ou da pletora de ofensas contra a pureza; mas há grande diversidade sobre como enfrentar estes males, ou como lidar com aqueles que os se vangloriam deles ou os endorsam abertamente. Dom Charles Chaput costuma referir-se a isto como uma unidade de doutrina, mas diversidade de estratégia.

Esta diversidade de estratégia, esta decisão prudencial de calar ou falar, repousa plenamente sobre os ombros dos bispos individualmente. Assim, embora muitos possam pensar que este seria o dever da conferência, é na verdade o papel do bispo individualmente. É seu dever inalienável; e não pode ser delegado à conferência. No meu ponto de vista, as palavras de Paulo a Timóteo precisa ser considerada para se chegar ao discernimento: "Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir." (II Tim 4, 1-2).

Alguns bispos talvez apoiam-se mais fortemente, por temperamento, na reprovação e na correção, enquanto outros favorecem um enfoque mais suave, gentil de exortação. A meu ver, o apelo tem seu lugar, mas quando o apelo constante não produz absolutamente qualquer movimento de autocorreção, reforma ou conversão, a reprovação e a correção tornam-se necessárias. Em certos momentos, há necessidade de uma resistência firme aos poderes do mundo em defesa do rebanho. O medo de ofender algum membro do rebanho abusivamente dissidente redunda em falha na defesa do rebanho. Pode redundar em incapacidade de ensinar a verdade. Nas palavras de São Gregório: "Eles hesitam em dizer abertamente o que é direito porque temem perder o favor dos homens, mas os homens e mulheres cujo favor pode estar em risco não são, nem de perto, tão favoráveis como eles imaginam".

Infelizmente, o desejo de confiar quase que exclusivamente na suave exortação pode ser indicativo do medo de reprovação. Isto não é novo. Mencionei acima o reconhecimento desta realidade por parte de São Gregório. Ele reprendeu aqueles que tinham medo de reprovar os homens por suas faltas, e assim tranquilizavam o malfeitor com uma vã promessa de segurança. Não apenas o malfeitor, mas todos os membros do rebanho que veem os malfeitores saírem impunes, começam a duvidar e questionar seus próprios valores morais. Ouço de muitos leigos que a percepção de uma falta de coragem da parte dos bispos redunda em desencorajamento dos fiéis.

Felizmente a coragem é contagiosa. Muitos de vocês reunidos aqui foram indubitavelmente encorajados, literalmente feitos mais corajosos, como resultado da coragem de Dom Raymond Burke. Vocês indubitavelmente admiraram Dom Joseph Martino e Dom Thomas Tobin por sua coragem ao confrontarem grupos dissidentes em suas dioceses. Puderam sentir um pouco de confiança ao verem Dom Thomas Olmsted de Phoenix confrontar com firmeza males morais de natureza médica. Vocês conhecem bem, apreciam e são encorajados pela coragem de Dom Fabian Bruskewitz , que resolutamente fala a verdade tão frequentemente impopular. Todos estes homens encorajam vocês, e encorajam a mim igualmente. Chego humildemente a pensar que alguns de vocês possam até ser encorajados por mim.

O que é mais digno de nota acerca de cada um destes homens corajosos é que eles agem, não como membros de um congresso de bispos, mas como bispos individuais em suas próprias dioceses. Todos eles demonstraram uma séria determinação de evitar o discurso indiscreto, ao mesmo tempo superando o que seria, por outro lado, um silêncio imprudente. Na avaliação da mídia secular, qualquer discurso firme contra um mal moral é muito frequentemente categorizado como indiscreto; enquanto o silêncio imprudente, mesmo em face de males morais muito sérios, é louvado como a epítome de compaixão á semelhança de Cristo. Apelar é louvado, enquanto corrigir e reprovar é considerado muito duro.

Vocês precisam estar cientes, também, de que a coragem episcopal está frequentemente associada ao sofrimento. Para aqueles que passaram a ser vistos desfavoravelmente nos círculos de 'iluminados', há uma disseminação de meias mentiras difamatórias, ridicularização na imprensa e na internet, rumores, fofocas e assassinato de reputações. Em geral um assassinato real seria preferível. E então há prejuízo para os fiéis praticantes da diocese que veem e ouvem estas coisas e começam a considerar se não estão enganados em sua confiança em seus bispos. Finalmente, há a sempre presente ameaça e realidade de boicote econômico, o que também tem grande peso, especialmente em dioceses pobres e pouco populosas como a minha. Quando um bispo reconhece que preferiria falar com firmeza, mas que agir assim poderia redundar em prejuízos econômicos para sua diocese, então ele percebe que as reações a ele não apenas o afetam, mas tem ramificações potencialmente negativas para as pessoas e paróquias que estão sob sua liderança pastoral. Assim, quando diante da possibilidade de publicar uma carta pastoral mais simpática ou algo um pouco mais direto, um bispo poderia escolher a delicadeza - não por convicção e nem por medo, mas por reconhecida necessidade. Às vezes, fico a imaginar o que os bispos diriam se esta consideração não mais fosse um fator em suas dioceses.

Embora minha tarefa fosse discutir o conceito de conferência dos bispos, percebi que, na realidade, só é possível falar sobre o ministério e a missão de cada bispo. Porquanto este ministério seja exercido em comunhão com seus irmãos bispos, não pode necessariamente ser exercido em conformidade com eles. As coisas que São Paulo escreveu a Timóteo aplicam-se de um modo singular aos bispos individualmente, e é difícil, senão impossível, aplicá-los à conferência dos bispos como um todo. A todo batizado é dada a tríplice dignidade de sacerdote, profeta e rei correspondentes aos três funções de Cristo: oferecer o sacrifício, ensinar e governar. Esta dignidade é inerente à pessoa e, pelo Sacramento das Sagradas Ordens, é inerente de um modo proeminente e inalienável a cada bispo. Os bispos individuais, se eles dependem muito fortemente da conferência ou simplesmente seguem suas iniciativas, o fazem sob grande perigo espiritual.

São Thomas More agiu de modo perfeitamente exato quando dele se aproximou o Duque de Norfolk, convidando-o a juntar-se a ele na assinatura do Juramento de Sucessão. O duque aponta para todos os que já tinham assinado e diz: "Não podes fazer o que eu fiz e juntar-te a nós, por companheirismo?" Thomas More replicou: "E quando estivermos diante de Deus, e tu fores mandado para o Paraíso por agir conforme tua consciência e eu condenado por não ter agido conforme a minha, tu virás comigo, por companheirismo?" Os bispos não podem simplesmente seguir a conferência em razão de companheirismo.

Para encerrar, volto a Apostolos Suos, que é maravilhosamente clara acerca das obrigações e responsabilidades dos bispos individualmente:

"Os Bispos, tanto singularmente como reunidos em Conferência, não podem autonomamente limitar o seu poder sagrado em favor da Conferência Episcopal, e menos ainda duma parte dela, quer esta seja o Conselho Permanente, uma comissão, ou o próprio Presidente." (Apostolos Suos, 20)


Este artigo baseou-se no discurso feito por Dom Robert Francis Vasa, Bispo de Baker, EUA, no 2010 InsideCatholic Partnership Award Dinner na Quinta-feira, 16 de setembro. O título de seu discurso era "Deveres Sagrados, Ministério Episcopal".


Tradução: Oblatus