quarta-feira, 28 de julho de 2010

Bento VI: “Não somos nós homens que realizamos algo”



“Sacramento significa que, em primeiro lugar, não somos nós homens que realizamos algo, mas é Deus que vem antes ao nosso encontro com o seu agir, que nos olha e nos conduz para junto de Si. […] Deus toca-nos por meio de realidades materiais […] que Ele assume ao seu serviço, transformando-as em instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo”

Catequese do Papa Bento XVI, Quarta-feira 5 de maio de 2010


Prezados irmãos e irmãs!


No domingo passado, na minha Visita Pastoral a Turim, tive a alegria de me deter em oração diante do Santo Sudário, unindo-me aos mais de dois milhões de peregrinos que, durante a solene Ostensão destes dias, puderam contemplá-lo. Aquele santo Pano pode nutrir e alimentar a fé e revigorar a piedade cristã, porque encoraja a orientar-se para o Rosto de Cristo, para o Corpo de Cristo crucificado e ressuscitado, a fim de contemplar o Mistério pascal, centro da Mensagem cristã. Do Corpo de Cristo ressuscitado, vivo e activo na história (cf. Rm 12, 5) nós, queridos irmãos e irmãs, somos membros vivos, cada qual segundo a própria função, ou seja, com a tarefa que o Senhor quis confiar-nos. Hoje, nesta catequese, gostaria de reflectir de novo sobre as tarefas específicas dos sacerdotes que, segundo a tradição, são essencialmente três: ensinar, santificar e governar. Numa das catequeses precedentes falei sobre a primeira destas três missões: o ensino, o anúncio da verdade, o anúncio do Deus revelado em Cristo, ou – com outras palavras – a tarefa profética de pôr o homem em contacto com a verdade, de ajudá-lo a conhecer o essencial da sua vida, da própria realidade.

Hoje, gostaria de refletir brevemente convosco sobre a segunda tarefa que o sacerdote tem, a de santificar os homens, sobretudo mediante os Sacramentos e o culto da Igreja. Aqui devemos perguntar-nos antes de tudo: o que quer dizer a palavra “Santo”? A resposta é: “Santo” é a qualidade específica do ser de Deus, ou seja, absoluta verdade, bondade, amor e beleza – luz pura. Portanto, santificar uma pessoa significa colocá-la em contacto com Deus, com este seu ser luz, verdade, amor puro. É óbvio que este contacto transforma a pessoa. Na antiguidade havia esta firme convicção: ninguém pode ver Deus, sem morrer imediatamente. A força da verdade e da luz é demasiado grande! Se o homem toca esta corrente absoluta, não sobrevive. Por outro lado, havia também esta convicção: sem um contacto mínimo com Deus, o homem não pode viver. Verdade, bondade e amor são condições fundamentais do seu ser. A questão é: como pode o homem encontrar aquele contacto com Deus, que é fundamental, sem morrer esmagado pela grandeza do ser divino? A fé da Igreja diz-nos que o próprio Deus cria este contacto, que nos transforma gradualmente em verdadeiras imagens de Deus.

Assim, chegamos de novo à tarefa do sacerdote de “santificar”. Nenhum homem por si mesmo, a partir da sua própria força, pode pôr o outro em contacto com Deus. Uma parte essencial da graça do sacerdócio é o dom, a tarefa de criar este contacto. Isto realiza-se no anúncio da palavra de Deus, na qual a sua luz vem ao nosso encontro. Realiza-se de um modo particularmente denso nos Sacramentos. A imersão no Mistério pascal de morte e ressurreição de Cristo verifica-se no Baptismo, é revigorada na Confirmação e na Reconciliação, é alimentada pela Eucaristia, Sacramento que edifica a Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo (cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores gregis, n. 32). Portanto, é o próprio Cristo que santifica, ou seja, que nos atrai para a esfera de Deus. Mas como acto da sua misericórdia infinita chama alguns a “permanecer” com Ele (cfr. Mc 3, 14) e a tornar-se, mediante o Sacramento da Ordem, não obstante a pobreza humana, partícipes do seu próprio Sacerdócio, ministros desta santificação, dispensadores dos seus mistérios, “pontes” do encontro com Ele, da sua mediação entre Deus e os homens, e entre os homens e Deus (cf. Presbiterorum ordinis, 5).

Nas últimas décadas, houve tendências orientadas para fazer prevalecer, na identidade e na missão do sacerdote, a dimensão do anúncio, desligando-a daquela da santificação; afirmou-se muitas vezes que seria necessário superar uma pastoral meramente sacramental. Mas é possível exercer de forma autêntica o Ministério sacerdotal, “superando” a pastoral sacramental? O que significa propriamente para os sacerdotes evangelizar, em que consiste a chamada primazia do anúncio? Como narram os Evangelhos, Jesus afirma que o anúncio do Reino de Deus é a finalidade da sua missão; porém, este anúncio não é apenas um “discurso” mas inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir; os sinais, os milagres que Jesus realiza, indicam que o Reino vem como realidade presente e que no final coincide com a sua própria pessoa, com o dom de si, como ouvimos hoje na leitura do Evangelho. E o mesmo é válido para o ministro ordenado: ele, o sacerdote, representa Cristo, o Enviado do Pai e continua a sua missão, mediante a “palavra” e o “sacramento”, nesta totalidade de corrpo e alma, de sinal e palavra. Santo Agostinho, numa carta enviada ao Bispo Honorato de Tiabes, referindo-se aos sacerdotes, afirma: “Portanto, os servos de Cristo, os ministros da palavra e do Seu sacramento façam aquilo que Ele ordenou ou permitiu” ( Epistolae 228, 2). É necessário refletir se, em certos casos, o fato de ter subestimado o exercício fiel do munus sanctificandi, não representou talvez uma debilitação da própria fé na eficácia salvífica dos Sacramentos e, de modo definitivo, na obra actual de Cristo e do seu Espírito, através da Igreja, no mundo.

Portanto, quem salva o mundo e o homem? A única resposta que podemos dar é: Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se actualiza o Mistério da morte e ressurreição de Cristo, que traz a salvação? Na ação de Cristo, mediante a Igreja, de modo particular no Sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferenda sacrifical redentora do Filho de Deus, no Sacramento da Reconciliação, em que da morte do pecado se volta à vida nova, e em todos os outros atos sacramentais de santificação (cf. Presbiterorum ordinis, 5). Portanto, é importante promover uma catequese adequada para ajudar os fiéis a compreender o valor dos Sacramentos, mas é igualmente necessário, a exemplo do Santo Cura d’Ars, estarmos disponíveis, sermos generosos e atentos a transmitir aos irmãos os tesouros de graça que Deus depositou nas nossas mãos, e dos quais não somos os “senhores”, mas guardiães e administradores. Sobretudo neste nosso tempo em que, por um lado, parece que a fé se vai debilitando e, por outro, sobressaem uma profunda necessidade e uma difundida busca de espiritualidade, é necessário que cada sacerdote se recorde que na sua missão o anúncio missionário, o culto e os sacramentos nunca estão separados, e promova uma pastoral sacramental sadia, para formar o Povo de Deus e para o ajudar a viver plenamente a Liturgia, o culto da Igreja e os Sacramentos como dons gratuitos de Deus, gestos livres e eficazes da sua acção de salvação.

Como eu recordava na Santa Missa Crismal deste ano: “O centro do culto da Igreja é o Sacramento. Sacramento significa que, em primeiro lugar, não somos nós homens que realizamos algo, mas é Deus que vem antes ao nosso encontro com o seu agir, que nos olha e nos conduz para junto de Si [...] Deus toca-nos por meio de realidades materiais [...] que Ele assume ao seu serviço, transformando-as em instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo” (Santa Missa Crismal, 1º de Abril de 2010). A verdade segundo a qual no Sacramento “não somos nós homens que realizamos algo” refere-se, e deve referir-se, também à consciência sacerdotal: cada presbítero sabe bem que é um instrumento necessário para o agir salvífico de Deus, contudo é sempre instrumento. Tal consciência deve tornar-nos humildes e generosos na administração dos Sacramentos, no respeito pelas normas canónicas, mas também na profunda convicção de que a própria missão é fazer com que todos os homens, unidos a Cristo, possam oferecer-se a Deus como hóstia viva e santa do seu agrado (cf. Rm 12, 1). Acerca do primado do munus sanctificandi e da justa interpretação da pastoral sacramental, é novamente exemplar São João Maria Vianney que um dia, a um homem que dizia que não tinha fé e desejava discutir com ele, retorquiu: “Oh, meu amigo, orientas-te muito mal, eu não sei raciocinar... mas se tiveres necessidade de alguma consolação, põe-te acolá... (o seu dedo indicava o inexorável banco [do confessionário] e, acredita-me, muitos outros se puseram ali antes de ti, e não se arrependeram” (cf. Monnin A., Il curato d’Ars. Vita di Gian-Battista-Maria Vianney, vol. I, Turim 1870, págs. 163-164).

Estimados sacerdotes, vivei com alegria e com amor a Liturgia e o culto: é um gesto que o Ressuscitado cumpre no poder do Espírito Santo em nós, connosco e por nós. Gostaria de renovar o convite feito recentemente a “voltar ao confessionário, como lugar onde celebrar o Sacramento da Reconciliação, mas também como lugar onde “habitar” com mais frequência, para que o fiel possa encontrar misericórdia, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença da Misericórdia Divina ao lado da Presença real na Eucaristia” ( Discurso à Penitenciaria Apostólica, 11 de Março de 2010). E quereria convidar também cada sacerdote a celebrar e viver com intensidade a Eucaristia, que está no coração da tarefa de santificar; é Jesus que quer estar connosco, viver em nós, doar-se-nos, mostrar-nos a misericórdia e a ternura infinitas de Deus; é o único Sacrifício de amor de Cristo que se torna presente, se realiza entre nós e chega até ao trono da Graça, à presença de Deus, abrange a humanidade e nos une a Ele (cf. Discurso ao Clero de Roma, 18 de Fevereiro de 2010). E o sacerdote está chamado a ser ministro deste grande Mistério, no Sacramento e na vida. Se “a grande tradição eclesial justamente desligou a eficácia sacramental da situação existencial concreta de cada sacerdote, e assim as legítimas expectativas dos fiéis são adequadamente salvaguardadas”, isto em nada diminui “a necessária, aliás indispensável, tensão para a perfeição moral, que deve habitar em cada coração autenticamente sacerdotal”: há também um exemplo de fé e de testemunho de santidade, que o Povo de Deus justamente espera dos seus Pastores (cf. Bento XVI, Discurso à Plenária da Congregação para o Clero, 16 de Março de 2009). E é na celebração dos Santos Mistérios que o presbítero encontra a raiz da sua santificação (cf. Presbiterorum ordinis, 12-13).

Caros amigos, sede conscientes do grande dom que os sacerdotes são para a Igreja e para o mundo; através do seu ministério, o Senhor continua a salvar os homens, a tornar-se presente, a santificar. Sabei dar graças a Deus, e sobretudo estai próximos dos vossos sacerdotes com a oração e o apoio, de maneira especial nas dificuldades, a fim de que haja cada vez mais Pastores segundo o Coração de Deus. Obrigado!

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Fonte: 30Giorni