quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Catequese do Papa: Joana d’Arc e o “doce nome” de Jesus



CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Sala Paulo VI para a audiência geral.

Queridos irmãos e irmãs:

Hoje, eu gostaria de falar de Joana d'Arc, uma jovem santa do final da Idade Média, morta aos 19 anos, em 1431. Esta santa francesa, citada muitas vezes no Catecismo da Igreja Católica, é particularmente próxima de Santa Catarina de Sena, padroeira da Itália e da Europa, de quem falei em uma recente catequese. São, de fato, duas jovens mulheres do povo, leigas e consagradas na virgindade, duas místicas comprometidas, não no claustro, mas em meio às realidades mais dramáticas da Igreja e do mundo na sua época. São, talvez, as figuras mais características dessas "mulheres fortes" que, no final da Idade Média, carregaram sem medo a grande luz do Evangelho nas complexas vicissitudes da história. Poderíamos colocá-la ao lado das santas mulheres que permaneceram no Calvário, perto de Jesus crucificado e de Maria, sua Mãe, enquanto os apóstolos tinham fugido, e o próprio Pedro havia negado Jesus três vezes. A Igreja, nesse período, vivia a profunda crise do Grande Cisma do Ocidente, que durou quase 40 anos. Quando Catarina de Sena morreu, em 1380, havia um Papa e um antipapa; quando Joana nasceu, em 1412, havia um Papa e dois antipapas. Junto a esta laceração no seio da Igreja, havia contínuas guerras fratricidas entre os povos cristãos da Europa, a mais dramática das quais foi a interminável "Guerra dos Cem Anos", entre a França e a Inglaterra.

Joana d'Arc não sabia ler nem escrever, mas pode ser conhecida no fundo de sua alma graças a duas fontes de valor histórico excepcional: os dois Processos a que foi submetida. O primeiro, Processo de Condenação (PCon) contém a transcrição de numerosos e longos interrogatórios a Joana durante os últimos meses de sua vida (fevereiro-maio de 1431) e inclui as palavras da santa. O segundo, Processo de Nulidade da Condenação, ou de "reabilitação" (PNul), contém o depoimento de cerca de 120 testemunhas oculares de todos os períodos da sua vida (cf. Procès de Condamnation de Jeanne d'Arc, 3 vol. e Procès en Nullité de la Condamnation de Jeanne d'Arc, 5 vol., ed. Klincksieck, Paris l960-1989).

Joana nasceu em Domrémy, uma pequena cidade situada na fronteira entre a França e Lorena. Seus pais eram camponeses prósperos, conhecidos por todos como cristãos muito bons. Deles, ela recebeu uma boa educação religiosa, com uma influência notável da espiritualidade do Nome de Jesus, ensinada por São Bernardino de Sena e difundida na Europa pelos franciscanos. Ao Nome de Jesus sempre se une o Nome de Maria e, assim, no contexto da religiosidade popular, a espiritualidade de Joana é profundamente cristocêntrica e mariana. Desde a infância, ela demonstra uma grande caridade e compaixão para com os pobres, doentes e todos os que sofrem, no contexto dramático da guerra.

De suas próprias palavras, sabemos que a vida religiosa de Joana amadurece como experiência a partir da idade de 13 anos (PCon, I, p. 47-48).Através da "voz" do arcanjo São Miguel, Joana sente-se chamada pelo Senhor a intensificar sua vida cristã e também a comprometer-se, em primeira pessoa, na libertação do seu povo. Sua resposta imediata, o seu "sim", é o voto de virgindade, com um novo empenho na vida sacramental e na oração: participação diária na Missa, Confissão e Comunhão frequentes, longos momentos de oração silenciosa diante do Crucificado ou diante da imagem de Nossa Senhora. A compaixão e o compromisso da camponesa francesa diante o sofrimento de seu povo tornaram-se mais intensos devido à sua relação mística com Deus. Um dos aspectos mais originais da santidade desta jovem é precisamente este vínculo entre experiência mística e missão política. Depois dos anos de vida oculta e de amadurecimento interior, chega o biênio breve, mas intenso, da sua vida pública: um ano de ação e um ano de paixão.

No início de 1429, Joana começa a sua obra de libertação. Vários depoimentos mostram a jovem, de apenas 17 anos, como uma pessoa muito forte e determinada, capaz de convencer homens inseguros e desanimados. Superando todos os obstáculos, encontra o Delfim da França, futuro rei Charles VII, que em Poitiers a submete a um exame por parte de alguns teólogos da Universidade. Seu julgamento é positivo: não veem nela nada de errado, apenas uma boa cristã.

Em 22 de março de 1429, Joana dita uma carta importante ao rei da Inglaterra e aos seus homens, que assediam a cidade de Orléans (Ibid., p. 221-222). Sua proposta é de verdadeira paz, na justiça entre os dois povos cristãos, à luz dos nomes de Jesus e Maria, mas esta proposta é rejeitada e Joana deve se engajar na luta pela libertação da cidade, que acontece em 8 de maio. O outro destaque de sua ação política é a coroação do rei Charles VII em Reims, em 17 de julho de 1429. Durante um ano inteiro, Joana vive com os soldados, realizando entre eles uma verdadeira missão de evangelização. Há muitos testemunhos de sua bondade, sua coragem e extraordinária pureza. É chamada por todos - e ela mesma se define - como "a donzela", ou seja, a virgem.

A paixão de Joana começa em 23 de maio de 1430, quando é presa pelos seus inimigos. Em 23 de dezembro, é conduzida à cidade de Rouen. Lá, leva-se a cabo o longo e dramático Processo de Condenação, que começa em fevereiro de 1431 e termina em 30 de maio, com a fogueira. É um processo grande e solene, presidido por dois juízes da igreja, o bispo Pierre Cauchon e o inquisidor Jean Le Maistre, mas, na verdade, foi totalmente conduzido por um grande grupo de teólogos da famosa Universidade de Paris, envolvidos no processo como conselheiros. Eles são eclesiásticos franceses que, tendo tomado a decisão política oposta à de Joana, têm a priori uma opinião negativa sobre sua pessoa e sobre sua missão. Este processo é uma página comovente da história da santidade e também uma página iluminadora sobre o mistério da Igreja, que, nas palavras do Concílio Vaticano II, é "ao mesmo tempo santa e sempre necessitada de purificação" (LG, 8). É o encontro dramático entre esta santa e seus juízes, que são eclesiásticos. Joana é acusada e julgada por eles, até chegar a ser condenada como herege e enviada à morte horrível da fogueira. Ao contrário dos santos teólogos que haviam iluminado a Universidade de Paris, como São Boaventura, São Tomás de Aquino e o Beato Duns Scotus, de quem já falei em algumas catequeses, esses juízes são teólogos a quem falta a caridade e a humildade necessárias para ver nessa jovem a ação de Deus. Vêm à mente as palavras de Jesus segundo as quais os mistérios de Deus se revelam a que tem o coração das crianças, enquanto permanecem ocultos aos estudiosos e sábios que não têm humildade (cf. Lc 10, 21). Assim, os juízes de Joana são radicalmente incapazes de compreendê-la, de ver a beleza de sua alma: não sabiam que estavam condenando uma santa. 

A apelação de Joana à decisão do Papa, em 24 de maio, foi rejeitada pelo tribunal. Na manhã do dia 30 de maio, ela recebeu pela última vez a Santa Comunhão na prisão e logo depois foi levada ao suplício na praça do mercado velho. Pediu a um dos sacerdotes que colocasse na frente da fogueira uma cruz da procissão. Assim morre Joana, vendo Jesus Crucificado e pronunciando muitas vezes e em voz alta o Nome de Jesus (PNul, I, p. 457, cf. Catecismo da Igreja Católica, 435). Quase 25 anos depois, o Processo de Nulidade, aberto sob a autoridade do Papa Calisto III, termina com uma sentença solene que declara a condenação nula (7 julho de 1456; PNul, II, p 604-610). Este longo processo, que inclui o depoimento de testemunhas e juízos de muitos teólogos, todos favoráveis à Joana, destaca a sua inocência e perfeita fidelidade à Igreja. Joana d'Arc foi canonizada em 1920, por Bento XV.

Queridos irmãos e irmãs, o Nome de Jesus, invocado pela nossa santa até os últimos momentos da sua vida terrena, foi como a respiração da sua alma, como o bater do seu coração, o centro de toda a sua vida. O "mistério da caridade de Joana d'Arc", que tanto fascinou o poeta Charles Péguy, é esse amor total a Jesus e aos demais, em Jesus e por Jesus. Esta santa compreendeu que o Amor abraça toda a realidade de Deus e do homem, do céu e da terra, da Igreja e do mundo. Jesus esteve sempre em primeiro lugar durante toda a sua vida, segundo sua belíssima afirmação: "Nosso Senhor é o primeiro a ser servido" (PCon, I, p. 288, cf. Catecismo da Igreja Católica, 223).

Amá-lo significa obedecer sempre à sua vontade. Ela afirmou com total confiança e abandono: "Eu me confio ao meu Deus Criador, eu o amo com todo meu coração" (ibid., p. 337). Com o voto de virgindade, Joana consagra de forma exclusiva toda a sua pessoa ao único amor de Jesus: é a sua "promessa feita ao nosso Senhor de proteger bem a sua virgindade de corpo e de alma" (ibid., p. 149-150). A virgindade da alma é o estado de graça, valor supremo, para ela mais precioso que a vida: é um dom de Deus que ela recebeu e protegeu com humildade e confiança. Um dos textos mais conhecidos do primeiro processo tem a ver com isso: "Interrogada sobre se sabe se está na graça de Deus, responde: ‘Se não estou, Deus nela me ponha: se estou, Deus nela me guarde'" (ibid., p. 62, cf. Catecismo da Igreja Católica, 2005).

Nossa santa viveu a oração como uma forma de diálogo contínuo com o Senhor, que ilumina também seu diálogo com os juízes e lhe confere paz e segurança. Ela pediu com fé: "Dulcíssimo Deus, em honra à vossa santa Paixão, eu vos peço, se me amais, que me reveleis como devo responder a estes homens da Igreja" (ibid., p. 252). Joana vê Jesus como o "Rei do céu e da terra". Assim, em seu estandarte, Joana pintou a imagem de "Nosso Senhor, que sustenta o mundo" (ibid., p. 172), um ícone de sua missão política. A libertação do seu povo é uma obra de justiça humana, que Joana cumpre na caridade, por amor a Jesus. Sua vida é um belo exemplo de santidade para os leigos que trabalham na política, especialmente nas situações mais difíceis. A fé é a luz que guia cada escolha, como testemunhará, um século depois, outro grande santo, o inglês Thomas More. Em Jesus, Joana contempla também a realidade da Igreja, a "Igreja triunfante" do céu e a "Igreja militante" da terra. Em suas palavras, "de Jesus Cristo e da Igreja eu penso que são um só" (ibid., p. 166). Esta afirmação, citada no Catecismo da Igreja Católica (n. 795), tem um caráter verdadeiramente heroico no contexto do Processo de Condenação, na frente de seus juízes, homens da Igreja, que a perseguiram e condenaram. No amor de Jesus, Joana encontrou a força para amar a Igreja até o fim, mesmo no momento da condenação.

Lembro-me com carinho de como Santa Joana d'Arc teve uma profunda influência sobre uma jovem santa dos tempos modernos: Teresinha do Menino Jesus. Em uma vida completamente diferente, transcorrida na clausura, a carmelita de Lisieux se sentiu muito perto de Joana, vivendo no coração da Igreja e participando dos sofrimentos de Jesus para a salvação do mundo. A Igreja as reuniu como padroeiras da França, depois de Nossa Senhora. Santa Teresa expressou seu desejo de morrer como Joana, pronunciando o nome de Jesus (Manoscritto B, 3r); motivava-a o mesmo amor a Jesus e ao próximo, vivendo na virgindade consagrada.

Queridos irmãos e irmãs, com seu luminoso testemunho, Santa Joana d'Arc nos convida a um alto nível da vida cristã: fazer da oração o fio condutor dos nossos dias; ter plena confiança no cumprimento da vontade de Deus, seja ela qual for; viver na caridade sem favoritismos, sem limites; e ter, como ela, no amor a Jesus, um profundo amor à Igreja. Obrigado.