terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Bento XVI em outro discurso histórico à Cúria Romana: a Igreja deve fazer a fé resplandecer


VATICAN CITY, VATICAN - DECEMBER 20:  Pope Benedict XVI receives the Roman Curia for the annual Christmas greetings at the Clementina Hall on December 20, 2010 in Vatican City, Vatican. During his traditional Christmas speech to the cardinals and bishops Benedict XVI said revelations of abuse in 2010 reached an unimaginable dimension that required the church to accept the humiliation as a call for renewal.

Discurso à Cúria Romana

CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A Igreja deve fazer resplandecer a fé no amor de Deus, disse Bento XVI, na tradicional audiência aos membros da Cúria Romana e do governo, por ocasião da troca de votos natalícios.


Em seu discurso, pronunciado na manhã de hoje, na Sala Régia do Palácio Apostólico, o Papa quis recordar alguns acontecimentos importantes do ano que já está terminando, incluindo o Sínodo das Igrejas do Oriente Médio.

"Com base no espírito da fé e na sua razoabilidade, o Sínodo desenvolveu um grande conceito do diálogo, do perdão, do acolhimento recíproco; conceito esse, que agora queremos gritar ao mundo", destacou.

E acrescentou: "Assim, as palavras e os pensamentos do Sínodo devem ser um forte brado, dirigido a todas as pessoas com responsabilidade política ou religiosa, para que detenham a cristianofobia; para que se levantem em defesa dos prófugos e dos atribulados e na revitalização do espírito da reconciliação".

Para Bento XVI, "a regeneração só pode vir de uma fé profunda no amor reconciliador de Deus. Fortalecer esta fé, alimentá-la e fazê-la resplandecer é a missão principal da Igreja nesta hora".

Com os ortodoxos

Neste contexto, o Papa recordou sua viagem a Chipre e a inesquecível "hospitalidade da Igreja Ortodoxa, que pudemos experimentar, imensamente agradecidos".

No que diz respeito às relações com os ortodoxos, indicou que, "embora ainda não nos tenha sido concedida a plena comunhão, todavia constatamos com alegria que a forma basilar da Igreja antiga nos une profundamente uns aos outros".

Neste sentido, referiu-se ao "ministério sacramental dos bispos enquanto portador da tradição apostólica, a leitura da Escritura segundo a hermenêutica da Regula fidei, a compreensão da Escritura na unidade multiforme centrada em Cristo, desenvolvida graças à inspiração de Deus e, por fim, a fé na centralidade da Eucaristia na vida da Igreja".

"Assim encontramos ao vivo a riqueza dos ritos da Igreja antiga mesmo dentro da Igreja Católica", destacou, recordando as liturgias com os maronitas e os melquitas, as celebrações em rito latino e os momentos de oração ecumênica com os ortodoxos.

Desejo de paz

No entanto, acrescentou, "vimos também o problema do país dividido". "Tornavam-se visíveis culpas do passado e feridas profundas, mas também o desejo de paz e de comunhão como existiram antes", disse.

Segundo o Papa, "só com o acordo e a compreensão mútua se pode restabelecer a unidade. Preparar a gente para esta atitude de paz é uma missão essencial da pastoral".

Com relação à situação no Oriente Médio, indicou que "nos tumultos dos últimos anos, foi abalada a história de partilha, as tensões e as divisões cresceram, de tal modo que somos testemunhas sempre de novo e com terror de atos de violência nos quais se deixou de respeitar aquilo que para o outro é sagrado, e, pior ainda, desmoronam-se as regras mais elementares da humanidade".

"Na situação atual, os cristãos são a minoria mais oprimida e atormentada", declarou.

Reino Unido

Em seu discurso, o Papa também se referiu à visita pastoral que fez ao Reino Unido de 16 a 19 de setembro.

Exortou a buscar uma contínua conversão à fé em Deus e recordou a beatificação do cardeal John Henry Newman, de quem destacou a conversão "à fé no Deus vivo".

Até o momento dessa conversão, explicou, "Newman pensava como a média dos homens do seu tempo e como a média dos homens também de hoje, que não excluem pura e simplesmente a existência de Deus, mas consideram-na em todo o caso como algo incerto, que não tem qualquer função essencial na própria vida".

"Como verdadeiramente real apresentava-se-lhe, a ele como aos homens do seu e do nosso tempo, o empírico, aquilo que se pode materialmente agarrar."

Em sua conversão, destacou, "Newman reconhece precisamente que as coisas estão ao contrário: Deus e a alma, o próprio ser do homem a nível espiritual constituem aquilo que é verdadeiramente real, aquilo que conta. São muito mais reais que os objetos palpáveis".

Nesse contexto, "aquilo que até então lhe apareceu irreal e secundário, revela-se agora como a realidade verdadeiramente decisiva".

"Onde se dá tal conversão, não é simplesmente um teoria que é mudada; muda a forma fundamental da vida. De tal conversão, todos nós temos incessante necessidade: então estaremos no reto caminho."

Consciência

O Papa recordou depois que "a forma motriz que impelia pelo caminho da conversão era a consciência", mas não em sua concepção moderna, para a qual, "em matéria de moral e de religião, a dimensão subjetiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão".

Segundo esta linha de pensamento, "ao objetivo pertencem as coisas que se podem calcular e verificar através da experiência".

"A religião e a moral se subtraem a estes métodos, são consideradas como âmbito do subjetivo", e neste campo poderia decidir "apenas o indivíduo, com as suas intuições e experiências".

Segundo o Pontífice, a concepção que Newman tinha da consciência era totalmente oposta.

Para ele, de fato, "‘consciência' significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer, precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência - religião e moral -, uma verdade, a verdade".

"A consciência, a capacidade do homem de reconhecer a verdade, impõe-lhe, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, procurá-la e submeter-se a ela onde quer que a encontre", continuou.

"Consciência é capacidade de verdade e obediência à verdade, que se mostra ao homem que procura de coração aberto."

O de Newman é, portanto, "um caminho da consciência: um caminho não da subjetividade que se afirma, mas, precisamente ao contrário, da obediência à verdade que pouco a pouco se abria para ele".

A conversão de Newman ao catolicismo, prosseguiu o Bispo de Roma, "exigia-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão, o seu grau acadêmico, os laços familiares e muitos amigos".

"Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. Mas, na teologia católica do seu tempo, dificilmente podia ser ouvida a sua voz", porque "era demasiado alheia à forma dominante do pensamento teológico e mesmo da devoção".

"Na humildade e na escuridão da obediência, ele teve de esperar até que a sua mensagem fosse utilizada e compreendida."

Responsabilidade comum

Em seu discurso, Bento XVI recordou o encontro que teve com o mundo da cultura no Westminster Hall, "no qual a consciência da responsabilidade comum neste momento histórico suscitou grande atenção, que em última análise se concentrou na questão acerca da verdade e da própria fé".

"Que, neste debate, a Igreja deve prestar a própria contribuição, era evidente para todos", afirmou.

E concluiu esta questão citando Alexis de Tocqueville, quem "observou que, na América, a democracia se tornara possível e funcionara porque existia um consenso moral de base que, ultrapassando as diversas denominações, a todos unia".

"Só se houver tal consenso acerca do essencial é que podem funcionar as constituições e o direito. Este consenso de fundo proveniente do patrimônio cristão está em perigo sempre que no seu lugar, no lugar da razão moral, entra a mera racionalidade dos fins."

"Combater contra esta cegueira da razão e manter-lhe a capacidade de ver o essencial, de ver Deus e o homem, aquilo que é bom e o que é verdadeiro, é o interesse comum que deve unir todos os homens de boa vontade. Está em jogo o futuro do mundo."


Fonte: Zenit e Daylife