quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Teologia Eucarística e o Rito da Missa



Por Pe. Aidan Nichols, OP

De 24 a 28 de agosto de 2009, a Latin Mass Society of Great Britain organizou uma conferência de treinamento na celebração da Missa no Usus Antiquior, para sacerdotes, no All Saints Pastoral Centre, London Colney, Herts. Durante esta conferência, Pe. Nichols proferiu a seguinte palestra que destacou a pluralidade de ritos na Igreja e discutiu sobre os pontos fortes do Rito Dâmaso-Gregoriano, e a contribuição que ele pode dar ao projeto do Papa Bento de restaurar uma vida litúrgica mais autêntica.

Introdução

De dezembro de 1576 a Abril de 1577 os alunos de Douai estudaram o desconhecido (para eles) Rito Romano, sob a direção do Dr. Laurence Webbe, que veio de Roma para ensiná-lo. George Godsalf, ordenado em 20 de dezembro de 1576, deve ter sido o primeiro sacerdote inglês a rezar a Missa de acordo com o Missal reformado. Se Douai teve a Missa Solene, ou se os alunos tiveram idade suficiente para terem participado de tal Missa no reinado de Maria Tudor, eles devem ter lamentado o desaparecimento dos três, cinco ou sete diáconos, bem como os vários subdiáconos, os dois ou mais turiferários, os três cruciferários, o abano de ricos materiais, segurado por um diácono, sobre a cabeça do celebrante durante o Cânon, e, sem dúvida, outras coisas que desconheço. "Plus ça change, plus c’est la même chose" (Quanto mais se muda, mais se é a mesma coisa).

Missa segundo o Uso de Sarum

E então? A diferença entre o Uso de Sarum, a que os alunos ingleses em Douai até então estavam acostumados, e o recém promulgado Rito de Pio V certamente era menor que aquela entre o Rito de Pio V, mesmo com mudanças tais que afetaram os quatrocentos anos seguintes, e o Missal reformado de 1970. Ainda, é bom lembrar que o Usus Antiquior ou, como eu prefiro dizer, fazendo analogia ao Novus Ordo, o Antiquus Ordo, já foi novus uma vez, ainda que estreitamente relacionado aos seus últimos antecedenes medievais, especialmente o Missal dos Franciscanos e da Cúria Romana.
Por que é bom lembrar disso? Por duas razões. A primeira é que, chocante como foi o radicalismo dos reformadores do pós-Vaticano II, não podemos, honestamente falando, dizer que a história da Liturgia Ocidental é uma veste sem costura, sem algum tipo de ruptura. A segunda, para preservar um senso de perspectiva nesses assuntos, precisamos reconhecer que, em geral, a pluralidade de ritos Eucarísticos é, segundo as palavras de Sellars e Yeatman [cf. 1066], uma "Boa Coisa" na Igreja. Tal pluralidade é, em geral, uma boa coisa porque serve para uma melhor manifestação da verdade Católica.

Benefício de uma pluralidade de ritos

Por que digo isso? No que diz respeito ao culto público, nem tudo capaz de iluminar o mistério da Missa pode ser dito em palavras ou executado no ritual de modo igualmente compreensível por todos, em todo lugar e ao mesmo tempo. Em "Senhor do Mundo", de Robert Hugh Benson, Pe. Percy Franklin, o futuro Papa Silvestre III, descreve o abolição de todos os ritos não-latinos na Igreja como uma forma de consolidação eclesial face a uma vasta apostasia que parece ser o prelúdio da vinda do Anticristo. As circunstâncias eram, para dizer o mínimo, incomuns. Mas Benson não dá a sua impressão de como a vida do culto da Igreja ficaria mais pobre se fosse privada, por exemplo, da Liturgia Bizantina. Por "mais pobre", não digo apenas esteticamente, mas mais pobre na compreensão do mistério que ela celebra na Santa Eucaristia.
Para tomar um exemplo aparentemente pequeno: o Rito do Zeon, em que se deita um pouco de água quente ao cálice consagrado, recorda-nos que o Senhor Eucarístico que os fiéis receberão na Comunhão é o Senhor ressuscitado e glorificado cujo sangue é quente por causa da vida superabundante. 

Sacerdote derramando no cálice a água do zéon

Este ponto, assim feito no ritual, não é insignificante. Alguns católicos tradicionalistas, que visualizam a Missa, justamente, como a representação do Calvário através do simbolismo da imolação dada pela consagração separada do pão/Corpo e do vinho/Sangue, parecem não perceber que a Missa não seria a Missa sem a Ressurreição. Em "Mistérios da Cristandade", Matthias Joseph Scheeben, teólogo católico alemão do fim do séc. XIX, escreve, diferentemente: A gloriosa imortalidade do Corpo de Cristo depois de sua Ressurreição, longe de ser um impedimento à continuação de seu Sacrifício, é a própria condição sem a qual o Sacrifício, uma vez consumado, não pode servir como um Sacrifício que deve durar por toda a eternidade. Ou novamente, falando de aprender de outra Liturgia, o que dizer dos méritos da fórmula Bizantina para a administração da Comunhão? Ela diz o seguinte: "O(a) servo(a) de Deus N..., recebe o santo e precioso Corpo e Sangue de nosso Senhor, Deus e Salvador Jesus Cristo, para a remissão de seus pecados e para a vida eterna". Devemos pensar que os Bizantinos, como a Igreja Latina da Idade Média, tinham razão para ampliar a fórmula patrística um tanto pobre "O Corpo de Cristo", "O Sangue de Cristo", à qual os reformadores pós-Conciliares ansiavam fazer-nos voltar, correndo para o que Pio XII, na Mediator Dei, chamou de "arqueologismo".

Testemunho para a fé Eucarística

Existe (em todo caso sou eu que o digo), no melhor sentido da palavra, uma "conspiração" entre as várias Liturgias, uma conspiratio, uma ação combinada do Espírito Santo, para dar-nos um testemunho, tão adequado quanto qualquer testemunho possa ser, do lado de cá do Céu, acerca do que a Eucaristia é e realiza.
Quando ouvimos falar a expressão "a doutrina Eucarística da Igreja", devemos primeiramente, se somos ortodoxos, trazer à mente o conjunto dos ensinamentos do Papa e dos Concílios que responderam a várias crises na história deste Sacramento. Pensa-se nas primitivas controvérsias medievais sobre a Presença Real, subjacente ao ensino do IV Concílio de Latrão sobre a "admirável conversão" do pão e do vinho no Corpo e do Sangue do Senhor, reiterado, face ao Protestantismo nascente, na Sessão XIII do Concílio de Trento, ou a mesma doutrina do Concílio, na Sessão XXII, que esclareceu o ensino católico contra os Reformadores, ou a carta Mysterium Fidei do Papa Paulo VI em 1965, chamando a atenção para a fragilidade das teorias sobre a conversão Eucarística, que apareciam largamente na Holanda.
E ainda a Palavra de Deus transmitida nos fala sobre o Mistério Eucarístico principalmente através da celebração atual deste Mistério no culto da Igreja, onde as Escrituras são atualizadas e a contribuição dos Padres da Igreja é integrada. Este é o "lugar teológico" que Melchior Cano, dominicano do séc. XVI, supostamente o primeiro a escrever um tratado sobre o método teológico, chamou de "praxis Ecclesiæ", a "prática da Igreja". Documentos do Magistério, embora indicadores essenciais para nossa fé, não podem tomar o lugar do testemunho dado pelas próprias Liturgias, para a doutrina da Eucaristia. E por "Liturgias" eu me refiro a todas as Liturgias históricas que foram celebradas em paz e união com a Igreja Católica, cujo guardião de unidade canônica, apostolicamente dado, é a Sé de Roma.

O Novus Ordo está incluído?

Bem, você vê, talvez, a direção que estou tomando. Eu certamente não ia querer excluir a possibilidade de o Novus Ordo desempenhar um papel nesta "conspiração", e que possa oferecer algo para enriquecer a sensibilidade Eucarística dos Católicos. Sabemos que as Orações Eucarísticas II e IV, no Missal de Paulo VI, são exemplos de empréstimos históricos, uma do antigo e muito esquecido livro romano posteriormente conhecido aos acadêmicos como Ordinário da Igreja Egípcia e a outra da Anáfora Síria-Bizantina de São Basílio. A III, todavia, embora inovadora, é, não obstante, um texto profundamente satisfatório, cuja seção que começa com as palavras "Respice, quæsumus, in oblationem Ecclesiæ tuæ" é, eu creio, uma síntese da Missa tanto como sacrifício da Igreja como quanto sacrifício de Cristo melhor que qualquer outra seção similar do Cânon Romano. Que pena os dedos inquietos dos burocratas romanos não terem parado nas quatro formas da Grande Oração em 1970, mas não podiam resistir em acrescentar mais Orações Eucarísticas, cuja inspiração é algo bom para se debater.
Hoje, porém, neste encontro, não viemos louvar ou acusar o Novus Ordo. Nós viemos aclamar o Antiquus Ordo no sentido do Rito de São Pio V. Assim eu devo guardar o restante desta palestra para ele, porém, com algumas olhadas ocasionais para o Oriente. E pelo menos um aspecto do Usus Antiquior a que estarei chamando a atenção é unicamente, em minha mente, um distintivo, porque deixamos algumas coisas escorregarem da celebração no Usus Recentior, para prejuízo nosso.

A Missa de São Pio V: o Sacrifício




Como escrevi num artigo recente no The Catholic Herald (03 de julho de 2009), a razão mais óbvia que temos, em termo de doutrina Eucarística, para olhar para o Rito de São Pio V, é a expressão litúrgica da Missa como Sacrifício. Assumindo que estamos acostumados a rezar o Cânon Romano como a Oração Eucarística I do Missal revisado e que não o consideramos muito complexo para as assembleias modernas ou tão diferente das outras Orações Eucarísticas, a mais notável diferença textual entre a Missa de São Pio V e a Missa de Paulo VI será as orações do Ofertório da primeira com suas reiteradas referências ao Sacrifício sendo oferecido ou prestes a ser oferecido.
Embora desgostado por pessoas com mentalidade caprichosamente alemã, a antecipação da Anáfora, a Oração de Oblação, na preparação e apresentação dos dons é um aspecto frequente da Liturgia histórica. É ainda mais pronunciada no rito Bizantino, onde as cerimônias de abertura da preparação incluem a perfuração do pão separado para a Eucaristia com uma faca em forma de lança, como uma recordação da lança que perfurou o lado do Salvador. Além disso, nesta Liturgia, ao passo em que o pão e o vinho dedicados são transladados para o altar durante a Grande Entrada, o coro canta: "Nós, que misticamente representamos os Querubins e cantamos à vivificante Trindade um hino trinamente santo, afastemos de nós todo pensamento mundano, a fim de acolhermos, o Rei do universo, que vem escoltado por invisíveis milícias angelicais", ainda que o "Rei" "venha" apenas no sentido de que os dons dedicados são agora trazidos a fim de que possam ser oferecidos no Santo Sacrifício, estando para ser convertidos na Presença real dele e recebidos como o fruto do seu Sacrifício. 

Grande Entrada dos dons na Divina Liturgia

Para a mente adoradora de um cristão bizantino, embora sejam ainda imagens do Corpo e do Sangue do Senhor, o Rei misteriosamente vem com eles, já que ele virá neles durante a consagração. O momento litúrgico não é apenas um momento ordinário. Este é um dos argumentos da Dra. Catherine Pickstock do Emmanuel College, em Cambridge, em sua defesa do rito Romano em "Para além do escrito: a consumação litúrgica da filosofia".
Assim, no Ofertório Plano [romano], que é bem mais recheado do que o do Uso Dominicano, ao qual estou particularmente mais familiarizado, o celebrante ora ao Pai para que aceite a immaculatam hostiam (hóstia sem mancha). Ele chama o vinho oferecido de calicem salutaris (cálice da salvação). Naquilo que se pode chamar de ‘epiclese do ofertório’ ele pede ao Espírito santificador (Veni sanctificator) que venha e abençoe os dons sacrificais, "preparados para a glória do vosso nome". E na oração que conclui, Suscipe sancta Trinitas, ele suplica ao triuno Senhor para que faça com que hanc oblationem ("esta oferenda") possa honrar a Mãe de Deus e os santos, bem como seja proveitosa para nossa própria salvação.
No risco de soar como o Msr. Ronald Knox, dirigindo-se a alunas no livro "A Missa em Câmera Lenta", é como se a Igreja não pudesse pela Oração da Oblação e, sobretudo, pela Consagração, momento em que seus dons, que representam a ela mesma, serão transformados no Dom de Cristo, que não simplesmente o representa, mas que o encarna em seu Sacrifício por ela. Assim é a Esposa impaciente pelas Núpcias na Cruz, pelo Mistério Pascal, cujo pensamento é tão fascinante que atrai para si, por antecipação, aquilo que está começando a se realizar. A perca dessas orações debilita o caminho a que deveríamos nos habituar para habitar o tempo Eucarístico e, como digo, também enfraquece o sentido da Missa como Sacrifício.
Coloco em parênteses que a orientação comum do sacerdote e do povo é, usando de modéstia, altamente apropriada à atitude permeada de Sacrifício do Antiquus Ordo, ainda que a Missa  de frente para o povo ou mais ou menos, em altares laterais, não fosse inteiramente desconhecida, historicamente falando. Entre as Liturgias Católicas a orientação comum é normal. Como escreveu um intérprete da Liturgia Etíope (um palestrista do Seminário Maior da Eparquia de Adigrat):


Voltar-se para o Oriente significa que o protagonista da celebração é Cristo, o Sumo Sacerdote, e que a vida que recebemos é a vida Trinitária... Na 'anamnese' da Anáfora dos Apóstolos [uma das Orações Eucarísticas Etíopes] o sacerdote, representando toda a assembleia, diz: 'Nós vos damos graças, Senhor, porque nos tornastes dignos do privilégio de estar de pé diante de vós e de vos oferecer este serviço sacerdotal'. É lógico, portanto, que aquele que recebe esteja voltado para aquele que dá; aquele que pede esteja voltado para aquele a quem se dirige o pedido.


Eu dou o primeiro lugar ao tema do Sacrifício, no que podemos aprender do Rito de São Pio V, porque o conteúdo inteiro da teologia Eucarística Católica é melhor examinado do ponto de vista da Missa como Sacrifício. A Sagrada Comunhão, por exemplo, é melhor apresentada não simplesmente como o encontro pessoal com nosso Senhor no Sacramento, mas um encontro com ele, o Cordeiro imolado e glorificado, que morreu por mim e que abriu um caminho novo e vivo na presença do Pai, no Santo dos Santos. É claro, podemos trazer-lhe todas as nossas aspirações, preocupações, ansiedades no momento da Sagrada Comunhão, mas esses pensamentos sempre deveriam estar relacionados ao centro, que também explica porque é desejável um momento de ação de graças após a Comunhão, e o que é aquilo pelo que podemos dar graças semanalmente ou até diariamente. Tenho inveja dos galeses, pela maneira como sua língua chama a Missa, ou como entendi: "Yr Offeren" ("A Oblação").

A Missa de Pio V: as ‘Apologias’


Outro ponto a que eu gostaria de chamar atenção, relevante para os padres, é o papel das assim chamadas ‘Apologias’ no Rito de São Pio V. As ‘Apologias’ são o nome que os historiadores litúrgicos dão para as orações semi-secretas, adicionadas quando o Rito Romano chegou ao norte dos Alpes, no Reino dos Francos, nas quais o sacerdote expressa sua própria indignidade e, provavelmente também, de sua assembleia quando vem para a celebração desses ritos. Apesar de três destas “Apologias” terem sobrevivido na recente reforma litúrgica – antes da Comunhão, onde há a escolha de duas, e nas abluções onde há uma – elas são mais persistentes no rito mais antigo, notavelmente nas orações ao pé do altar; no momento de subir ao altar, na oração “Aufer a nobis”; novamente, ao se inclinar diante do altar para o beijar depois de dizer a oração; nas orações do ofertório, e nas duas orações combinadas antes da Comunhão do sacerdote e a oração seguinte, “Corpus tuum”, omitida no Novus Ordo, nas abluções. Dado o perigo de uma excessiva familiaridade com este sacramento, o qual alguns de nós somos obrigados a celebrar diariamente, sendo que todos somos aconselhados a celebrar diariamente, e a possibilidade sempre presente, daí, de banalização e trivialização, eu acho que deveríamos encontrar um auxílio nessas orações deveras salutares.
Isto pode parecer dar vazão a uma consideração puramente  pragmática ou, melhor, pastoral, mais do que a algo que tenha a ver com teologia dogmática. Mas as 'Apologias' procuram trazer de volta nossa real e sobrenatural situação na Liturgia Eucarística. Elas o fazem enfatizando que o contraste entre o pecado e a graça jamais pode ser expresso de uma maneira bem viva. No Rito Etíope, a resposta do povo ao convite do diácono para oferecer o ósculo da paz - possivelmente, em nossa moderna experiência litúrgica no Ocidente, o momento mais 'horizontal’ ou mesmo secular que conhecemos na Igreja – é: “Ó Cristo, nosso Deus, tornai-nos dignos de nos saudarmos com um ósculo santo, e participarmos sem condenação do vosso dom sagrado, imortal e celeste...” Isto é um equivalente das 'Apologias' sacerdotais do Usus Antiquior. No ósculo, como ainda mais na Sagrada Comunhão, temos que tomar cuidado ao sermos humanos, humanos demais, mais do que se estivéssemos vendo tudo sob a perspectiva da Redenção. Obviamente, é pelo ósculo moderno ocidental ser experimentado como uma saída desta perspectiva e, assim, tornando-se um desincentivo à preparação para a Sagrada Comunhão, que um recente Sínodo dos Bispos pediu ao Papa Bento para refletir sobre mudá-lo do lugar em que tem permanecido em Roma por cerca de 1500 anos: desde os ritos medievais, o Rito de São Pio V e o Novus Ordo.

Forma tradicional de oferecer a paz no Rito Romano

O problema com o ósculo é, contudo, seu gesto e não o seu local. A beleza do local romano tradicional é o que permite com que seja aparente que a paz irradia da Presença sobre o altar, algo especialmente claro no Uso Dominicano, onde o celebrante beija o cálice antes de declarar a paz, mostrando assim de onde vem a paz. Peter de Troyes, teólogo do séc. XII, diz que o fruto "verdadeiro, próprio e sacramental" corpo de Cristo na Eucaristia é a "caro mystica" (a "carne mística"), de uma Igreja que se torna um corpo social por este sacramento, capaz de realizá-lo em seu poder de criar a paz e a concórdia sobrenaturais.

A Missa de São Pio V: reverência



A terceira coisa que me parece mais óbvia é quão oportunas são, para a doutrina da Presença Real, suas expressões de reverência. Agora, se estávamos procurando uma Liturgia histórica que é forte no tema teológico da Eucaristia como fundamento da comunhão da Igreja, ou o tema doutrinal da Eucaristia como antegosto da Era vindoura, não devemos olhar nesta direção. Devemos preferir olhar, ao invés, para o Oriente. A Constituição sobre a Liturgia, do Concílio Vaticano II, cujas provisões práticas dizem respeito exclusivamente à Missa do Rito Romano, teve um preâmbulo teórico que trata da Eucaristia em todas as Liturgias da Igreja, e talvez seja por isso que a Sacrosanctum Concilium tenha sido mais vigorosa na dimensão escatológica do culto do que a Mediator Dei. Mas para percepção da Presença, bem como do Sacrifício Eucarístico, é a Missa de São Pio V a que me voltaria.
Não estou pensando apenas na linguagem consistentemente aumentada com que se fala das oblatas, mesmo, como vimos, durante o rito do Ofertório. É também uma questão de um vocabulário de gestos. Os múltiplos sinais da Cruz sobre a Hóstia e o Cálice, quer antes da consagração para os santificar, quer depois, indicando sua santidade (se feitos com dignidade e não do jeito que levou os visitantes Vitorianos a pensarem que os padres tinham problemas com moscas nas igrejas italianas), são eles mesmos uma lição. O mesmo se poderia dizer das repetidas genuflexões e, de modo semelhantes, das rubricas relacionadas ao cuidado que se deve ter com as partículas da Hóstia (o que deveríamos observar sem, contudo, cair em escrúpulos neste assunto). Estes gestos de reverência pontuando o Cânon e, especialmente, acompanhando as palavras da consagração, "construiu", como disse Dom Cassian Folsom, "um muro de proteção ao redor deste momento sagrado da Missa e assim reforçou a teologia Eucarística Católica". Foi antropologicamente ingênuo pensar que sua retirada não teria efeito algum nas atitudes do povo ou mesmo do clero.
Isto diz respeito à realização do Sacramento, porém também há a questão da sua recepção. O modo de receber a Comunhão neste rito é uma magnífica expressão da teologia Eucarística, especialmente se a toalha da mesa da comunhão é também usada para cobrir as mãos e para indicar que é um alimento sagrado, este do qual nos aproximamos. O altar é um sepulcro para o Cristo morto e um trono para o Salvador ressurgido, mas é também uma mesa da qual a mesa da comunhão é uma extensão.
Nós certamente podemos aprender da Missa mais antiga como ter uma recepção mais reverente no rito reformado. Se não é possível ajoelhar-se para a Comunhão, então deveríamos introduzir o gesto anterior de reverência, o qual pedem os documentos oficiais. Se a Comunhão direto na língua não é possível, deveríamos explicar ao povo que, quando, na Igreja Antiga, a Comunhão era recebida na mão, sempre o era na mão direita, a mão da dignidade, que era tratada como uma espécie de patena para a Comunhão, da qual a hóstia era levada diretamente para a boca, algo que pode fácil e adequadamente ser feito, se ao mesmo tempo se faz o que Fortescue e O’Connell chamam de "uma inclinação moderada". Isto seria aprendido do espírito do Antiquus Ordo, embora não de sua letra, mas ao menos seria melhor do que nada.
Eu gostaria de saber por quais razões o cálice era administrado aos fiéis neste rito, pelo fim do séc. XVI e começo do séc. XVII, em grandes áreas da Europa central. É boa teologia dizer que, enquanto nada se acrescenta à perfeição do efeito sacramental para o comungante quando o cálice é oferecido, algo se ganha em termos de perfeição do sinal. As situações previstas para a administração do cálice na Sacrosanctum Concilium, tais como a Missa da profissão solene de um monge ou a Missa seguindo o batismo de um catecúmeno, poderiam provavelmente se acomodar muito facilmente à Missa de São Pio V. Não deve ser muito conhecido que de 1564 em diante os Papas permitiram a vários metropolitas no Sacro Império Romano a dar licença para a administração do cálice para todos os fiéis. Isto continuou em alguns lugares por cerca de sessenta anos, tão obviamente como um ato ritual teve parte na Missa de São Pio V. Evidentemente, não se trata de algo requerido pelo rito, mas também não se pode considerar completamente alheio a ele, historicamente falando. O ministro na Missa Solene deveria ser, presume-se, o diácono e, de outro modo, o celebrante. O equivalente no Novus Ordo seria a administração pelo sacerdote, o diácono ou um acólito instituído, adequadamente vestido. Dado que o Cristo inteiro é recebido sub specie panis, não me é claro como pode ser tratado da maneira correta o caso dos ministros extraordinários.
Espero que essas ruminações desconexas e fora do lugar sejam possivelmente de proveito, na linha do desejo do Papa Bento de recuperação de uma vida litúrgica mais autêntica pela exploração simultânea (no melhor sentido da palavra) das variadas riquezas litúrgicas da Igreja. Nós podemos fazer algo pelas Missas paroquiais ordinárias aprendendo do espírito do rito mais antigo, até que tenhamos uma reforma mais adequada, integrando o melhor do Ocidente pré-moderno bem como, sem dúvida, tomando algo mais daqueles empréstimos esporádicos do Oriente, o que tem sido uma característica da história litúrgica do Catolicismo Ocidental, já que estamos impedidos de fazer tanto quanto podemos desejar.

[Reimpresso de Mass of Ages, revista quinzenal da Latin Mass Society of Great Britain, n. 162/Nov. 2009; para mais informações sobre a The Latin Mass Society, visite http://www.latin-mass-society.org/]

Fonte: ARS
Tradução: Luís Augusto - membro da ARS