Michael P. Foley
As Quatro Estações
As Quatro Têmporas, que caem na quarta-feira, sexta-feira e sábado da mesma semana, ocorrem em conjunção com as quatro estações do ano. O outono [primavera no hemisfério sul, n.d.t.] traz as Têmporas de setembro, também conhecidas como as Têmporas de São Miguel devido a sua proximidade coma Festa de São Miguel em 29 de setembro. O inverno [verão no hemisfério sul, n.d.t.], por outro lado, traz as Têmporas de dezembro, durante a terceira semana do Advento e a primavera [outono no hemisfério sul, n.d.t.] traz as Têmporas da Quaresma, após o primeiro domingo da Quaresma. Finalmente, o verão [inverno no hemisfério sul, n.d.t.] anuncia as Têmporas de Pentecostes, que ocorrem dentro da Oitava de Pentecostes.
No Missal de 1962, as Têmporas eram observadas como férias de segunda classe, dias feriais de especial importância que se sobrepunham inclusive a certas festas de santos. Cada dia tem sua Missa própria, todas as quais são bastante antigas. Uma prova de sua antiguidade é que elas são uns dos poucos dias no rito gregoriano (como o Missal de 1962 agora vem sendo chamado) que têm cinco leituras do Antigo Testamento acompanhadas da leitura da Epístola, uma disposição antiga de fato.
Jejum e abstinência parcial durante as Têmporas eram também observados pelos fiéis desde tempos imemoriais até a década de 60. É esta associação de jejum e penitência com as Têmporas que levou alguns a pensarem que seu nome peculiar tivesse algo a ver com cinzas ardentes, ou brasas. Mas o nome em inglês [ember] deriva-se provavelmente de seu título latino, as Quatuor Tempora ou “Quatro Estações”.
Apostólicas e Universais
A história das Têmporas leva-nos às origens mesmas do Cristianismo. O Antigo Testamento prescreve um jejum quádruplo como parte de sua consagração do ano em curso a Deus (Zac 8, 19). Além destas observâncias sazonais, judeus piedosos na Palestina do tempo de Jesus jejuavam toda segunda e quinta – daí a vanglória do fariseu sobre o jejuar duas vezes por semana na parábola envolvendo um deles e o publicano (Lc 18, 12).
Os primeiros cristãos corrigiram ambos os costumes. A Didache, obra tão antiga que pode inclusive ser datada antes de alguns livros do Novo Testamento, conta-nos que os cristãos palestinos no primeiro século jejuavam todas as quartas e sextas: quartas porque é o dia em que Jesus foi traído e sextas porque é o dia em que Ele foi crucificado. O jejum de quartas e sextas de tal forma fizeram parte da vida cristã que uma palavra em gaélico, Didaoirn, significa literalmente “o dia entre os jejuns”.
No século terceiro, os cristãos em Roma começaram a destinar alguns destes dias à oração sazonal, em parte como imitação do costume judeu e em parte como resposta às festas pagãs que ocorriam por volta da mesma época. Assim nasceram as Têmporas. E depois que o jejum semanal tornou-se menos frequente, foram as Têmporas que permaneceram como testemunho evidente de um costume que remonta aos próprios Apóstolos. Ademais, ao modificando-se os dois jejuns judeus, as Têmporas encarnam a declaração de Cristo de que Ele não veio para abolir a Lei, mas para cumpri-la (Mt 5, 17).
Proveitosamente Naturais
Este cumprimento da Lei é crucial porque ensina-nos algo fundamental sobre Deus, Seu plano redentor para nós e a natureza do universo. Tanto no caso dos jejuns sazonais dos judeus quanto das Têmporas dos cristãos, somos chamados a considerar a maravilha das estações naturais e sua relação com o Criador. Pode-se dizer, por exemplo, que as quatro estações indicam individualmente a felicidade do Céu, onde há “a beleza da primavera, o brilho do verão, a abundância do outono e o repouso do inverno”.
Isto é significativo porque as Têmporas são o único tempo no calendário da Igreja onde a natureza qua natureza é destacada e reconhecida. Certamente o ano litúrgico como um todo pressupõe o ritmo anual da natureza (a Páscoa coincide com o equinócio de primavera, o Natal com o solstício do inverno, etc. [no hemisfério norte, n.d.t.]), mas aqui nós não celebramos os fenômenos naturais em si, mas os mistérios sobrenaturais que eles evocam. As Rogações comemoram a natureza, mas principalmente à luz de seu significado agrícola (ou seja, em relação com seu cultivo pelo homem) e não em seus próprios termos, por assim dizer.
As Têmporas, portanto, destacam-se como os únicos dias nas estações sobrenaturais da Igreja que comemoram as estações naturais da terra. Isto é apropriado porque, uma vez que o ano litúrgico renova anualmente nossa iniciação no mistério da redenção, ele deve fazer alguma menção especial à própria coisa que a graça aperfeiçoa.
Caracteristicamente Romanas
Mas e o sábado? A apropriação romana do jejum semanal evoluiu acrescentando o sábado como extensão do jejum de sexta-feira. E durante as Têmporas, eram realizadas uma Missa especial e uma procissão para a Basílica de São Pedro, com a congregação sendo convidada a “ficar em vigília com Pedro”. Sábado é um dia apropriado não somente para uma vigília, mas como um dia de penitência, quando nosso Senhor “jazia no sepulcro, e os Apóstolos estavam com o coração entristecido e em grande pesar”. A propósito, foi este costume que deu origem ao provérbio: “quando em Roma, faça como os romanos”. Segundo a estória, quando Santo Agostinho e Santa Mônica perguntaram a Santo Ambrósio de Milão se eles deviam obedecer aos jejuns semanais de Roma ou de Milão (que não incluía os sábados), Ambrósio respondeu: “quando eu estou aqui, eu não jejuo aos sábados, quando estou em Roma, jejuo”.
Solidariedade entre clérigos e leigos
Outro costume romano, instituído pelo Papa Gelásio em 494, é usar os sábados da Têmporas como dia para se conferir as Ordens Sagradas. A tradição apostólica prescrevia que as ordenações fossem precedidas por jejum e oração (cf. At 13, 3), e assim era bastante razoável situar as ordenações ao final deste período de jejum. Isto permitia à comunidade inteira unir-se aos candidatos no jejum e na oração pela bênção de Deus para sua vocação, e não apenas a comunidade desta ou daquela diocese, mas de todo o mundo.
Orações Pessoais
Além de comemorar as estações da natureza, cada uma das quatro Têmporas assume o caráter do tempo litúrgico em que está situada. As Têmporas do Advento, por exemplo, celebram a Anunciação e a Visitação, as únicas vezes durante o Advento, no Missal de 1962, em que isto é feito explicitamente. As Têmporas da Quaresma permite-nos ligar a estação da primavera [no hemisfério norte, n.d.t.], quando a semente deve morrer para produzir nova vida, à mortificação quaresmal de nossa carne. As Têmporas de Pentecostes, curiosamente, encontram-nos jejuando durante a Oitava de Pentecostes, ensinando-nos que existe um “jejum alegre”. As Têmporas de Outono [no hemisfério norte, n.d.t.] são o único tempo em que o calendário romano ecoa a Festa dos Tabernáculos e o Dia do Perdão dos judeus, duas comemorações que nos ensinam muito sobre nossa peregrinação terrena e sobre o sumo-sacerdócio de Cristo.
As Têmporas também nos oferecem a ocasião de um exame trimestral de nossa alma. O beato Tiago de Varazze (+ 1298) lista oito razões pelas quais nós devemos jejuar durante as Têmporas, a maioria delas relacionada à nossa luta pessoal contra o vício. O verão, por exemplo, que é quente e seco, é análogo ao “fogo e ardor da avareza”, enquanto o outono é frio e seco, como o orgulho. Tiago faz ainda um trabalho cativante ao coordenar as Têmporas com os quatro temperamentos: a primavera é sanguínea, o verão é colérico, o outono é melancólico e o inverno é fleumático. Não espanta que as Têmporas tenham se tornado tempos de retiro espiritual (não diferente de nossos modernos retiros), e que o folclore na Europa cresceu em torno deles, afirmando seu caráter especial.
Até o Extremo Oriente foi afetado pelas Têmporas. No sexto século, quando os missionários espanhóis e portugueses estabeleceram-se em Nagasaki, Japão, eles procuraram fazer refeições saborosas sem carne para as Têmporas e começaram a fritar camarões. A ideia conquistou os japoneses, que aplicaram o processo ao um diferente número de pratos do mar e vegetais. Eles chamam esta deliciosa comida – já adivinharam? – “tempura”, de Quatuor Tempora.
Têmporas Moribundas
Embora as Têmporas tenham permanecido estabelecidas no calendário universal como obrigatórias (assim como o jejum que a acompanha), sua influência irradiante sobre outras áreas da vida por fim diminuiu. No século vinte, as ordenações já não eram exclusivamente programadas para os sábados das Têmporas e seu papel como “exames espirituais” foi gradualmente esquecido. Os textos do Vaticano II poderiam ter feito muito para renovar as Têmporas. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia determina que os elementos litúrgicos “que sofreram os prejuízos dos tempos sejam agora restaurados conforme a antiga tradição dos Santos Padres” [“restituantur vero ad pristinam sanctorum Patrum normam nonnulla quae temporum iniuria deciderunt”] (50).
Mas, ao invés, o que veio foram as Normas Gerais para o Ano Litúrgico e o Calendário (1969) da Sagrada Congregação para o Culto Divino, onde lemos:
“Nas rogações e têmporas, a prática da Igreja é oferecer orações aos Senhor pelas necessidades de todo o povo, especialmente pela produtividade da terra e pelo trabalho humano, e lhe dar graças publicamente” (45).
“De modo a adaptar as rogações e as têmporas às várias regiões... as conferências dos bispos devem dispor o tempo e o modo de sua celebração” (46).
Felizmente, as Têmporas não deveriam ser removidas do calendário mas adaptadas pelas conferências nacionais de bispos. Houve, entretanto, várias defeitos nesta disposição. Primeiro, a SCCD trata as Rogações e as Têmporas como sinônimos, o que – como dizíamos no artigo anterior – elas não são. As Têmporas não rezam, por exemplo, pela “produtividade da terra e pelo trabalho humano” no ocaso do inverno. Segundo, ao pedir uma adaptação para as várias regiões, a SCCD permite que as Têmporas assumam um número indeterminado de significados que nada têm a ver com sua natureza, tais como “paz, a unidade da Igreja, a propagação da fé, etc.” Diferentemente do desenvolvimento orgânico das Têmporas, que preservou seu significado básico enquanto assumiu outros, a diretriz de 1969 não oferece salvaguardas para garantir que os novos significados atribuídos não substituiriam o propósito mais fundamental das Têmporas. Terceiro, as conferências nacionais de bispos deviam fixar os dias das Têmporas, mas nenhuma, pelo que sei, jamais o fez.
Têmporas Mortas & Vivos Debates
Devido a esta ambiguidade e falta de direção, as Têmporas desapareceram da celebração do Novus Ordo, e no pior momento possível. Pois exatamente quando a Igreja estava deixando sua celebração litúrgica da natureza cair no esquecimento, o Ocidente estava voltando-se freneticamente para a natureza. Desde a publicação do Príncipe de Maquiavel no século XVI, a sociedade moderna tem se dedicado a uma guerra tecnológica contra a natureza de modo a aumentar o domínio e o poder do homem. A natureza não é mais uma donzela a ser cortejada (como ela tinha sido para os gregos, romanos e cristãos medievais); ela devia, a partir de então, ser violentada, submetida através dos avanços tecnológicos mais impressionantes que fariam da humanidade, nas palavras frias de Freud, “um deus protético”.
Embora existam fortes reações a esta nova atitude, a hostilidade moderna ao que foi dado por Deus apenas expandiu-se com o tempo, evoluindo de uma guerra à natureza a uma guerra à natureza humana. Nossas preocupações atuais com a engenharia genética, “mudanças” de sexo, “casamento” entre pessoas do mesmo sexo – todas tentativas de redefinir e reconfigurar a natureza – são exemplos desta escalada em curso.
O movimento ecológico que começou na década de 60 ajudou a trazer à luz as implacáveis ondas de exploração da natureza, e assim temos hoje um reconhecimento renovado das virtudes do manejo responsável e das maravilhas da terra verde, mas frágil, de Deus. Mas este mesmo movimento, que serviu de muitas formas como um renascimento saudável, é temperado de absurdos.
Geralmente os mesmos ativistas que defendem girinos em perigo são defensores da aniquilação de bebês não-nascidos. Recentemente, após aprovar suas leis abortistas, o governo socialista da Espanha introduziu uma legislação para garantir aos chimpanzés direitos legais de modo a “preservar as espécies da extinção” – isto num país sem população nativa de primatas.
Muitas vezes, o ecologismo contemporâneo é também panteísta em suas convicções, tendo como resultado que para muitos ele torna-se uma religião em si mesmo. Esta nova religião vem completa com seus próprios sacerdotes (climatologistas), seus próprios evangelhos (dados sacrossantos sobre o aumento das temperaturas e o afundamento das geleiras), seus próprios profetas (Al Gore, que infelizmente permanece bem recebido em sua própria terra) e, mais que tudo, seu próprio apocalipsismo, com os quatro cavaleiros do desmatamento, aquecimento global, esgotamento de ozônio e combustíveis tóxicos, todos conduzindo-nos a um Apocalipse mais apavorante para a mente secular que os Quatro Novíssimos.
Conclusão
Meu objetivo não é negar a validade destas preocupações, mas lamentar a moldura neo-pagã em que elas são colocadas muito frequentemente. O homem moderno é tão caótico que, quando finalmente redescobre um amor pela natureza, ele o faz da maneira menos natural. Tanto a antiga antipatia à natureza como sua atual idolatria têm uma grave necessidade de correção, uma correção que a Igreja está bem preparada para providenciar. Como Chesterton gracejava, os cristãos podem amar verdadeiramente a natureza porque eles não a adorarão. A Igreja proclama a bondade da natureza porque ela foi criada por um Deus bom e amoroso e porque ele reflete sacramentalmente a grandeza da bondade e do amor de Deus.
A Igreja faz isto liturgicamente com sua observância das “Quatro Estações”, as Têmporas. Celebrar as Têmporas não oferece, obviamente, soluções prontas para as complicadas dificuldades ecológicas do mundo, mas é um bom curso de atualização sobre primeiros princípios básicos. As Têmporas oferecem uma alternativa inteligente ao ecologismo panteísta, e fazem isto sem ser artificiais ou complacentes, como um novo “Dia da Terra” católico ou algo parecido indubitavelmente seriam.
É uma lástima que a Igreja inconscientemente permitiu que o brilho das Têmporas morresse no exato momento da história em que seu testemunho era mais necessário, mas é uma grande ajuda que a Summorum Pontificum tenha novamente tornado sua celebração universalmente acessível. Cabe à nova geração assumir sua prática com uma revigorada consideração daquilo que elas significam.
Michael P. Foley é professor adjunto de patrística na Universidade de Baylor. É autor de Wedding Rites: A Complete Guide to Traditional Music, Vows, Ceremonies, Blessings, and Interfaith Services (Eerdmans) e Why Do Catholics Eat Fish on Friday? The Catholic Origin to Just About Everything (Palgrave Macmillan).
Fonte: Rorate Caeli
Tradução: Oblatus