domingo, 21 de novembro de 2010

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI NO CONSISTÓRIO PARA A CRIAÇÃO DOS NOVOS CARDEAIS





 

Senhores Cardeais,

Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
queridos irmãs e irmãos!

O Senhor me dá a alegria de realizar, mais uma vez, este ato solene, mediante o qual o Colégio Ccardinalício se enriquece com novos membros, escolhidos das diversas partes do mundo: trata-se de Pastores que governam com zelo importantes Comunidades diocesanas, de Prelados colocados à frente de Dicastérios da Cúria Romana, ou que serviram com fidelidade exemplar a Igreja e a Santa Sé.

A partir de hoje, eles começam a fazer parte daquele “coetus peculiares”, que presta ao Sucessor de Pedro uma colaboração mais imediata e assídua, sustentando-o no exercício de seu ministério universal. A eles, em primeiro lugar, dirijo minha saudação afetuosa, renovando a expressão de minha estima e de minha apreciação pelo testemunho que dão à Igreja e ao mundo. Em particular, saúdo o Arcebispo Angelo Amato e lhe agradeço pelas palavras gentís que me dirigiu.

Em seguida minhas cordiais boas-vindas às Delegações oficiais de vários países, aos representantes de numerosas dioceses, e a todos que vieram participar deste evento, durante o qual estes veneráveis e queridos Irmãos receberão o sinal da dignidade cardinalícia com a imposição do barrete e a atribuição do Título de uma Igreja de Roma.

O vínculo de especial comunhão e afeto, que une estes novos Cardeais ao Papa, os torna singulares e preciosos cooperadores do supremo mandato confiado por Cristo a Pedro, de apascentar suas ovelhas (cfr Jo 21, 15-17), para reunir os povos com a solicitude da caridade de Cristo. É exatamente deste amor que nasce a Igreja, chamada a viver e a caminhar segundo o mandamento do Senhor, no qual se resumem toda a Lei e os Profetas. Estar unidos a Cristo na fé e na comunhão com Ele significa estar “radicados e fundados na caridade” (Ef 3, 17), o tecido que une todos os membros do Corpo de Cristo.

A Palavra de Deus agora proclamada nos ajuda a meditar este aspecto tão fundamental. No trecho do Evangelho (Mc 10, 32 – 45) nos é colocada diante de nossos olhos a imagem de Jesus como o Messias – preanunciado por Isaías (cfr Is 53) – que não veio para ser servido, mas para servir: o seu estilo de vida se tornou a base das novas relações no interior da comunidade cristã e de um modo novo de exercer a autoridade. Jesus caminha para Jerusalém e preanuncia pela terceira vez, indicando-o aos discípulos, o caminho através do qual pretende levar até o fim a obra confiada a ele pelo Pai: é o caminho da humilde entrega de si mesmo até o sacrifício da vida, o caminho da Paixão, o caminho da Cruz. Mesmo assim, logo após este anúncio, como aconteceu com aqueles que nos precederam, os discípulos manifestam toda a sua dificuldade em compreender, a realizar o necessário “êxodo” de uma mentalidade mundana para a mentalidade de Deus. Neste caso são os dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, que pedem a Jesus sentarem nos primeiros lugares ao lado dele na “glória”, manifestando expectativas e projetos de grandeza, de autoridade, de honra segundo o mundo. Jesus, que conhece o coração do homem, não permanece perturbado com esste pedido, mas imediatemente mostra o seu significado profundo: “vós não sabeis o que pedis”; em seguida leva os dois irmãos a entenderem o que significa colocar-se no seu seguimento.

Qual é então o caminho que deve percorrer aquele que quer ser discípulo? É o caminho do Mestre, é o caminho de total obediência a Deus. Por isso Jesus pergunta a Tiago e a João: estais dispostos a partilhar minha escolha de realizar plenamente a vontade do Pai? Estais dispostos a percorrer esta estrada que passa pela humilhação, pelo sofrimento e pela morte por amor? Os dois discípulos, com a resposta segura, “podemos”, mostram, ainda uma vez, não terem entendido o sentido real do que o Mestre tem em mente. E de novo Jesus, com paciência, faz com que eles deem um passo avante: nem mesmo expperimentar o cálice do sofrimento e o batismo da morte dá direito aos primeiros lugares, porque isso é “para aqueles a quem está preparado”, está nas mãos do Pai Celeste: o homem não deve calcular, deve simplesmente abandonar-se em Deus, sem pretenção, conformando-se à sua vontade.

A indignação dos outros discípulos se torna ocasião para estender o ensinamento a toda comunidade. Em primeiro lugar Jesus “ os chamou a si”: é o gesto da vocação primeira, à qual os convida a se voltarem para ele.

É muito significativo este referir-se ao momento constitutivo da vocação dos Doze, ao “estar com Jesus” para serem enviados, porque recorda com clareza que cada ministério eclesial é sempre resposta a uma chamada de Deus, não é nunca fruto de um projeto pessoal ou de uma ambição pessoal, mas é conformar a própria vontade à do Pai que está nos Céus, como Cristo no Getsêmani (cfr Lc 22,42). Na Igreja ninguém é patrão, mas todos são chamados, todos são enviados, todos são reunidos e guiados pela graça divina. E nisto está também nossa segurança! Só ouvindo novamente a palavra de Jesus, que pede “ vem e segue-me”, só voltando à vocação original é possivel entender a própria presença e a própria missão da Igreja como autênticos discípulos.

O pedido de Tiago e João e a indignação dos "outros dez" Apóstolos levantam uma questão central à qual Jesus responde: quem é grande, quem é o "primeiro" para Deus? O olhar se dirige ao comportamento que correm o risco de assumir "aqueles que são considerados os governantes das nações": "dominar e oprimir". Jesus indica aos discípulos um modo completamente diferente: "Entre vós, porém, não é assim". A sua comunidade segue outra regra, outra lógica, outro modelo: "Quem quiser se tornar grande entre vós será seu servidor, e quem quiser ser o primeiro entre vós será escravo de todos". O critério da grandeza e da primazia de Deus não é o domínio, mas o serviço; a diaconia é a lei fundamental do discípulo e da comunidade cristã, e nos deixa entrever alguma coisa do "Senhorio de Deus". E Jesus indica também o ponto de referência: o Filho do Homem, que veio para servir; sintetiza a sua missão na categoria de serviço, entendida não no sentido genérico, mas no concreto da Cruz, do dom total da vida como "resgate", como redenção para muitos, e o indica como condição para o seguimento. É uma mensagem que vale para os apóstolos, vale para toda a Igreja, vale, sobretudo, para aqueles que possuem a tarefa de guiar o Povo de Deus. Não é a lógica do domínio, do poder segundo os critérios humanos, mas a lógica do inclinar-se para lavar os pés, a lógica do serviço, a lógica da Cruz que está na base de todo exercício da autoridade. Em cada época, a Igreja está engajada a conformar-se a esta lógica e a testemunhá-la a fim de fazer transparecer o verdadeiro "Senhorio de Deus", que é o do amor.

Venerados Irmãos eleitos à dignidade cardinalícia, a missão, à qual Deus vos chama hoje e que vos habilita a um serviço eclesial cheio de responsabilidade, requer uma vontade sempre maior de assumir o estilo do Filho de Deus, que veio a nós como aquele que serve (cf. 22, 25-27). Trata-se de segui-lo em sua doação de amor humilde e total à Igreja sua esposa, sobre a Cruz: é sobre aquele lenho que o grão de trigo, deixado cair pelo Pai no campo do mundo, morre para se tornar fruto maduro. Por isto, ocorre um fortalecimento ainda mais profundo e firme em Cristo. A relação íntima com Ele, que transforma sempre mais a vida a fim de que possamos dizer como São Paulo, "não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20), constitui a exigência primária para que o nosso serviço seja sereno e alegre e possa dar o fruto que o Senhor espera de nós.

Queridos irmãos e irmãs aqui presentes, rezem pelos novos Cardeais! Amanhã, nesta Basílica, durante a celebração da Solenidade de Cristo Rei do Universo, entregarei a eles o anel. Será mais uma ocasião para "louvar o Senhor, que permanece sempre fiel" (Sl 145), conforme repetimos no Salmo Responsorial. O seu Espírito ajude os novos Purpurados no compromisso de serviço à Igreja, seguindo o Cristo na Cruz também, se necessário, usque ad effusionem sanguinis, sempre prontos – como dizia São Pedro na leitura proclamada – a responder a quem nos pede razão da esperança que está em nós (cf. 1 Pt 3, 15). A Maria, Mãe da Igreja, confio os novos Cardeais e seu serviço eclesial, a fim de que, com ardor apostólico, possam proclamar a todos os povos o amor misericordioso de Deus. Amém.