quinta-feira, 25 de junho de 2009

Reforma de Bento XVI: Cristocentrismo ou clerigocentrismo na Liturgia?


E assim o pensamento de Bento XVI, o Teólogo, vai conquistando mentes e corações:

O altar e a Cruz

Sendo o Cristianismo, como lhe chamou Schiller, a religião da Cruz, percebe-se que nem depois da ressurreição ela se extinga.

E o certo é que a própria religiosidade popular nos faz anunciar, em pleno Dia de Páscoa, a Ressurreição transportando a Cruz.

E, de facto, há aqui uma profundidade de sentido e uma plenitude de significado: Aquele que voltou à vida foi Aquele que deu a vida; Aquele que ressuscitou foi Aquele que morreu; Aquele que venceu a Cruz foi Aquele que morreu na Cruz. Em síntese, a Cruz não é eliminada; é transfigurada.

É por isso que S. Paulo, frente à apetência dos judeus por milagres e à paixão dos gregos pela sabedoria, coloca o enfoque da sua pregação em Cristo crucificado (cf. 1 Cor 1, 24). Tem consciência de que a sua opção é passível do qualificativo de loucura (moria). Pouco depois, S. Justino viria a falar de demência (mania). Mas nem um nem outro vacilam.

O paradoxo cristão atinge, aqui, o seu esplendor: a vida brota da morte. Para dar frutos, o grão de trigo tem mesmo que morrer (cf. Jo 12, 24).

A Liturgia, enquanto celebração do mistério de Cristo morto e ressuscitado, dispensa, como não podia deixar de ser, um lugar predominante à Cruz. Não é só nos caminhos, nos monumentos e nas procissões que ela nos aparece. Ela surge, ante nós, na própria celebração.

Habitualmente, há um grande Crucifixo no interior das igrejas. Também se pode transportar um Crucifixo na procissão inicial ficando, de seguida, ao lado do altar. Quem acompanhar, entretanto, as recentes celebrações presididas pelo Santo Padre, repara certamente na presença de uma Cruz sobre o altar.

Recorde-se que a Instrução Geral do Missal Romano preceitua, no número 308, que «sobre o altar ou junto dele se coloque uma Cruz».

Não é, portanto, estritamente obrigatório que a Cruz figure em cima do altar. Mas também não está proibido (longe disso!) que ela lá se mantenha. Tendo em conta que o Sucessor de Pedro, como Pastor da Igreja Universal, é modelo e exemplo, valerá a pena prestar atenção às (ponderosas) razões que aduz.

No célebre livro "Introdução ao espírito da Liturgia", defende claramente esta posição demarcando-se das posições contrárias: «Considero absurdas as inovações que põem de lado a Cruz a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote. Será que a Cruz incomoda? Será que o sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser corrigido o mais depressa possível. O Senhor é o ponto de referência. Ele é o Sol nascente da História».

Poderá alegar-se que o sacerdote ao olhar para a assembleia e a assembleia ao olhar para o sacerdote estão a ver a imagem de Cristo no ser humano. Nesse caso, o puro estar voltado para os outros seria a posição correcta da oração.

Antes de mais, sabemos que é cada vez mais difícil às pessoas verem umas nas outras aquilo que as assemelha a Deus. Daí a necessidade de «o aprenderem e a função da Eucaristia é ensiná-lo». Na Cruz está «a imagem do Deus invisível» (Col 1, 15).

Acresce que o sacerdote não pode ser visto como o centro da celebração. Pelo que urge advertir para «o risco de o sacerdote que se volta para a comunidade formar com ela um círculo que se fecha em si».

O teólogo Joseph Ratzinger insistia muito neste ponto. O Papa Bento XVI, com nobre delicadeza vivencial, tem-lhe dado expressão. O importante não é olhar para o sacerdote; é olhar, em conjunto com ele, para o Senhor.

Novas remodelações em perspectiva na Liturgia? «Nada é tão prejudicial para a Liturgia como o permanente “mexer”». Se não é possível que nos voltemos comunitariamente para o Oriente, «a Cruz pode servir como o Oriente interior da nossa fé».

Basta, pois, que ela «fique no meio do altar sendo o ponto de vista comum para o sacerdote e para a comunidade orante».

Fonte: Mansidão